Caso concreto.
José adquiriu um apartamento na planta da Construtora Família Feliz. No contrato assinado, consta que o apartamento teria 100 m². Ocorre que, posteriormente, José percebeu que na matrícula do imóvel ele teria apenas 99 m².
José poderá rescindir o contrato por isso?
Não. Em contrato de compra e venda de imóvel na planta, a diferença ínfima a menor na metragem, que não inviabiliza ou prejudica a utilização do imóvel para o fim esperado, não autoriza a resolução contratual, ainda que a relação se submeta às disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.
Inicialmente, anota-se que, se admite, na hipótese, a utilização do Código de Defesa do Consumidor para amparar, concretamente, o investidor ocasional (figura do consumidor investidor), pois ele não desenvolve a atividade de investimento de maneira reiterada e profissional.
No entanto, a aplicação do referido diploma legal não tem o condão de enquadrar a compra e venda sub judice na qualificação “ad mensuram”.
É de se concluir, pelos demonstrativos e provas, relacionados aos fatos que o negócio envolveu coisa delimitada (sala comercial), sem apego as suas exatas medidas, o que caracteriza, inequivocadamente, uma compra e venda “ad corpus”.
Venda ad mensuram: venda “Ad Mensuram” ou simplesmente “venda por medida”, ocorre quando o imóvel é vendido com área determinada, cujo preço é definido pela medida de extensão. Normalmente esse tipo de negócio é celebrado quando se vende uma gleba pertencente a uma área maior, determinando-se o preço por metro quadrado (m²).
Venda ad corpus: Neste tipo de operação as partes não estão interessadas em simplesmente nas medidas, mas nas características do imóvel como um todo.
As metragens do contrato eram somente enunciativas.
Em se tratando de imóvel urbano, obviamente o comprador adquiriu o bem como um todo, ou como coisa certa e determinada. Logo, é possível concluir que as medidas do imóvel foram meramente enunciativas, e não decisivas como fator da aquisição.
Outrossim, o simples fato de ter sido uma compra na planta não altera a situação, porquanto as medidas constantes no instrumento particular de promessa de compra e venda eram somente enunciativas, ou seja, o que sobreleva é o bem em si (sala comercial), e não propriamente a metragem, até porque não restou demonstrado que o preço foi calculado com base na área de construção.
Em que pese a segunda parte do § 1º do art. 500 do Código Civil ressalvar, ao comprador, o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio, no caso, não há evidências de que o negócio não teria sido realizado pela ínfima diferença a menor na metragem que, aliás, de modo algum inviabiliza ou prejudica a utilização do imóvel para o fim esperado.
A diferença ínfima não representa vício de quantidade do produto.
Cumpre salientar que o fato de incidir o direito consumerista na relação sub judice não significa a procedência da pretensão de resolver do negócio jurídico, com a devolução dos valores pagos e com a aplicação da multa contratual, pois não se está diante de efetivo vício, ou defeito de qualidade, ou quantidade do produto capaz de abalar o equilíbrio do contrato e prejudicar o consumidor.
Com efeito, é até possível dizer que a mínima diferença em discussão nem sequer reúne condições para caracterizar efetivo “vício de quantidade” do produto, uma vez que está aquém da margem fixada pela lei.
Cláusula contratual permissiva de pequenas diferenças nas dimensões.
Não é demasiado anotar que o contrato firmado entre as partes prevê, no seu parágrafo segundo da cláusula décima sétima, que serão toleradas pequenas diferenças nas dimensões do projeto, consoante, expressamente, asseverado na sentença.
Assim, perfeitamente aceitável a diferença, no caso, irrisória da área do imóvel, não havendo que se falar em qualquer descumprimento contratual capaz de ensejar o pagamento da multa pelo seu rompimento.
STJ. REsp 2.021.711-RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Relator para Acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 14/3/2023 (info 767).