Controvérsia.
A controvérsia consiste em definir qual é o momento de constituição do crédito oriundo de contrato estimatório, a fim de analisar a sua sujeição ou não ao plano de recuperação judicial.

Nos termos do art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

Crédito.
A noção de crédito envolve basicamente a troca de uma prestação atual por uma prestação futura. A partir de um vínculo jurídico existente entre as partes, um dos sujeitos cumpre com a sua prestação (a atual), com o que passa a assumir a condição de credor, conferindo à outra parte (o devedor) um prazo para a efetivação da contraprestação. Nesses termos, o crédito se encontra constituído, independente do transcurso de prazo que o devedor tem para cumprir com a sua contraprestação, ou seja, ainda que inexigível.

Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador.
A Segunda Seção desta Corte Superior, por ocasião do julgamento do REsp 1.843.332-RS, sob o rito dos repetitivos, fixou a seguinte tese (Tema 1051):

#Tese Repetitiva – Tema 1051: Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador. (info 684-STJ).

Contrato estimatório (“venda em consignação”).
Nos termos do que dispõem os arts. 534 e 535 do Código Civil, pelo contrato estimatório, também chamado de “venda em consignação”, o consignante entrega bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada. Nessa modalidade contratual, o consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.

Código Civil.
Art. 534. Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada.
Art. 535. O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.

Natureza real do contrato estimatório.
Conforme assentado pela doutrina, o contrato estimatório apenas se aperfeiçoa com a efetiva entrega do bem móvel com o preço estimado ao consignatário, tratando-se, portanto, de contrato real. O consignante, ao entregar o bem móvel, cumpre com a sua prestação, com o que passa a assumir a condição de credor, ocasião em que é conferido à outra parte (consignatário/devedor) um prazo para cumprir com a sua contraprestação, qual seja, a de pagar o preço ajustado ou restituir a coisa consignada.

Caso concreto adaptado.
Suponha que a Revistas & Cia, que especializa em publicações de nicho, entrou em um acordo de consignação com a Editora Abril, permitindo que Abril vendesse seus revistas. Este contrato foi firmado sob a modalidade de contrato estimatório, onde a Abril poderia devolver os revistas não vendidos ou pagar um preço previamente acordado por aqueles que fossem vendidos.

Após alguns meses, a Rede de Editora Abril enfrentou dificuldades financeiras e entrou com um pedido de recuperação judicial. Durante o processo, muitas das revistas consignados foram vendidos a clientes, mas o pagamento ainda não tinha sido feito à Revistas & Cia.

Neste cenário, surge a questão jurídica crucial: determinar o momento em que o crédito (obrigação de pagamento) pela venda dos revistas foi estabelecido, pois isso afetaria se tal crédito deveria ser incluído no plano de recuperação judicial da Editora Abril.

Portanto, Na hipótese, as recorrentes, integrantes do chamado “Grupo Abril”, receberam em consignação diversas revistas das recorridas/interessadas (editoras) antes do ajuizamento do pedido de recuperação judicial, porém a venda a terceiros dessas mercadorias se efetivou em data posterior a do pedido.

Qual o momento do fato gerador do crédito?
O fato gerador do crédito em discussão ocorreu no momento em que as mercadorias foram entregues às recorrentes (consignatárias), isto é, antes do ajuizamento do pedido de recuperação judicial, quando se perfectibilizou o vínculo jurídico entre as partes, decorrente do contrato estimatório firmado, independente do transcurso do prazo que elas teriam para cumprir com a sua contraprestação (pagar o preço ou restituir a coisa), ou seja, ainda que o crédito fosse inexigível e ilíquido.

O crédito possui natureza concursal.
Dessa forma, se após o processamento da recuperação judicial, as mercadorias foram vendidas a terceiros, o crédito das consignantes, evidentemente, possui natureza concursal, devendo se submeter aos efeitos do plano de soerguimento das recuperandas, nos termos do que determina o art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005.
STJ. REsp 1.934.930-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 2/4/2024, Dje 10/4/2024 (info 807).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Área de Membros

Escolha a turma que deseja acessar: