Caso concreto adaptado.
Aos 9 anos de idade, Valentina foi vítima de um crime de roubo estupro de vulnerável. Na oportunidade, a criança informou que não conseguiu ver o rosto do agressor, só identificando que se tratava de um homem negro.

Já na delegacia, 3 homens com características físicas bem diferentes, sendo apenas um deles negro, foram perfilados com os rostos cobertos, oportunidade em que Valentina identificou José, o único negro, como o seu agressor. Com base nessa única prova, José foi denunciado e condenado pelos crimes.

Quando Valentina tinha 22 anos de idade, procurada por um familiar de José, ela afirmou que na época não viu o rosto de seu agressor e que, por isso, nunca teve a certeza de que José de fato foi o autor do delito.

Com isso, José propôs ação de justificação, no qual foi colhido o depoimento de Valentina. Com base nesse depoimento, foi proposta revisão criminal.

A revisão criminal poderá ser julgada procedente?
Sim. Em delitos sexuais, a retratação da vítima autoriza a revisão criminal para absolvição do réu, quando o conjunto probatório se limita à sua declaração e a testemunhos, sem outras provas materiais.

Ademais, O procedimento de reconhecimento de pessoas, para sua validade, deve assegurar a semelhança física entre o suspeito e os demais indivíduos apresentados, conforme estabelece o art. 226, II, do CPP, evitando-se sugestões que possam influenciar a decisão da testemunha e comprometer o reconhecimento.

Controvérsia.
A controvérsia envolve a viabilidade de se acolher a retratação da vítima como fundamento para a admissão de nova prova, conforme previsto no art. 621, III, do Código de Processo Penal, e a validade do procedimento de reconhecimento pessoal efetuado durante a fase de inquérito policial.

Voltando ao caso concreto…
No caso, durante a audiência de justificação, a vítima, que tinha 9 anos na época dos fatos e 22 anos na audiência de justificação criminal, declarou não poder afirmar com certeza que o imputado foi o autor dos crimes de roubo e estupro de vulnerável. Ela relatou não ter visto o rosto do agressor no dia dos fatos e que, dentre os suspeitos apresentados para reconhecimento pessoal em um veículo policial, apenas o recorrente era de pele negra.

Possibilidade de revisão criminal no caso de surgirem novas provas da inocência.
À luz do arcabouço jurídico brasileiro, alinhado ao art. 621, inciso III, do CPP, destaca-se a viabilidade de revisão criminal ante o surgimento de provas novas de inocência subsequente à condenação. Tal preceito legal sublinha a essencialidade da justiça e da equidade no âmbito processual penal, garantindo a revisibilidade das condenações diante da emergência de elementos probatórios novos que corroborem a inocência do réu.

O ônus da prova da inocência jamais deve ser atribuído ao réu. Ao contrário, qualquer incerteza quanto à sua culpabilidade deve operar em seu favor, evidenciando uma manifestação prática do princípio do in dubio pro reo e reiterando o conceito de que é preferível absolver um culpado do que condenar um inocente.

O objetivo da revisão criminal é desfazer possíveis erros judiciários.
A revisão criminal, conforme delineada pela jurisprudência do STJ, não se presta à reanálise de provas previamente examinadas nas instâncias inferiores, distanciando-se, portanto, da natureza de uma segunda apelação. Seu propósito essencial é assegurar ao condenado a correção de possíveis erros judiciários, exigindo para tanto a comprovação dos requisitos estabelecidos pelo art. 621 do CPP. Ainda, esta Corte tem consolidado o entendimento de que a descoberta de novas provas de inocência, conforme estabelecido no art. 621, inciso III, do CPP, necessita de comprovação por meio de justificação criminal.

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
III. quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Portanto, a retratação dos ofendidos ou a aparição de novos elementos probatórios que contestem as fundações da condenação original são cruciais para o reexame da causa, podendo resultar na absolvição do acusado caso as novas provas sejam suficientemente robustas para instaurar uma dúvida razoável quanto à sua culpabilidade.

A retratação da vítima não implica automaticamente a absolvição do acusado.
Também, a jurisprudência desta Corte Superior reconhece que, nos delitos sexuais, a retratação da vítima, realizada em uma ação de justificação, não implica automaticamente a absolvição do acusado. Relevante é o contexto em que o novo depoimento da vítima se mostra incongruente com o conjunto das demais provas apresentadas nos autos.

Peculiaridades do caso concreto que tornam possível a revisão da decisão condenatória.
No contexto apresentado, a informante, durante a audiência de justificação criminal, manifestou incerteza em afirmar a responsabilidade do imputado pelos delitos de roubo e estupro de vulnerável. Ela indicou a não visualização do rosto do ofensor no momento dos fatos. Adicionalmente, destacou que, dentre os indivíduos apresentados para reconhecimento em um veículo policial, o recorrente era o único com pele escura.

Essa declaração recente da testemunha coloca em xeque a fundamentação da sentença, a qual foi confirmada pelo Tribunal de origem, que se baseou unicamente em seu testemunho anterior, sugerindo a revisão da condenação com base no art. 621, III, do CPP, por introduzir dúvidas significativas sobre a consistência das provas que sustentaram a decisão judicial.

Tese fixada.
Do exposto, fixa a seguinte tese: Em delitos sexuais, a retratação da vítima autoriza a revisão criminal para absolvição do réu, quando o conjunto probatório se limita à sua declaração e a testemunhos, sem outras provas materiais.
STJ. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 2/4/2024 (info 806).

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