Soberania dos vereditos no Tribunal do Juri.
A decisão tomada pelos jurados, ainda que não seja a mais justa ou a mais harmônica com a jurisprudência dominante, é soberana, conforme disposto no art. 5º, XXXVIII, c, da CF/1988.
Tal princípio, todavia, é mitigado quando os jurados proferem decisão teratológica, em manifesta contrariedade às provas colacionadas nos autos, casos em que o veredito deve ser anulado pela instância revisora e o réu, submetido a novo julgamento perante o Tribunal do Júri.
Cabe apelação pode decisão “manifestamente contrária à prova dos autos” mesmo no caso de decisão absolutória.
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que:
A anulação da decisão absolutória do Conselho de Sentença, manifestamente contrária à prova dos autos, pelo Tribunal de Justiça, por ocasião do exame do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público (art. 593, III, ‘d’, do Código de Processo Penal), não viola a soberania dos veredictos.
STJ. HC n. 323.409/RJ, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Rel. p/ acórdão Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, DJe 8/3/2018.
O STF, por sua vez, fixou tese de repercussão geral acerca do tema:
#Tese de Repercussão Geral – Tema 1.087-STF:
1. É cabível recurso de apelação com base no artigo 593, III, ‘d’, do Código de Processo Penal, nas hipóteses em que a decisão do Tribunal do Júri, amparada em quesito genérico, for considerada pela acusação como manifestamente contrária à prova dos autos.
2. O Tribunal de Apelação não determinará novo Júri quando tiver ocorrido a apresentação, constante em Ata, de tese conducente à clemência ao acusado, e esta for acolhida pelos jurados, desde que seja compatível com a Constituição, os precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal e com as circunstâncias fáticas apresentadas nos autos.
STF. ARE 1.225.185/MG, relator Ministro Gilmar Mendes, redator do acórdão Ministro Edson Fachin, julgamento finalizado em 03.10.2024 (info 1153).
Superado: Em razão da norma constitucional que consagra a soberania dos veredictos, a sentença absolutória de Tribunal do Júri, fundada no quesito genérico de absolvição, não implica nulidade da decisão a ensejar apelação da acusação. Os jurados podem absolver o réu com base na livre convicção e independentemente das teses veiculadas, considerados elementos não jurídicos e extraprocessuais. STF. 1ª Turma. HC 178777/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/9/2020 (Info 993).
Portanto, na hipótese de decisão manifestamente contrária à prova dos autos, ao órgão recursal se permite, apenas, a realização de um juízo de constatação acerca da existência de suporte probatório para a decisão tomada pelos jurados integrantes da Corte Popular. Se o veredito estiver flagrantemente desprovido de elementos mínimos de prova capazes de sustentá-lo, admite-se a sua cassação. Caso contrário, deve ser preservado o juízo feito pelos jurados, no exercício da sua soberana função constitucional.
E como funciona a votação no Júri?
Segundo o Art. 483 do CPP, a votação no Tribunal do Júri segue uma ordem específica de quesitos, que são perguntas elaboradas pelo juiz e respondidas pelos jurados de forma secreta e individual. A maioria simples dos votos define o veredicto. Os quesitos são formulados na seguinte ordem obrigatória:
Quesitos Essenciais para a Decisão
1. Materialidade do Fato: O primeiro quesito pergunta aos jurados se o crime efetivamente ocorreu. Exemplo: “O fato descrito ocorreu?”
Se a maioria responder “não”, a votação é encerrada e o réu é absolvido.
2. Autoria ou Participação: O segundo quesito trata da autoria ou participação do acusado no crime. Exemplo: “O acusado foi o autor ou participou do fato?”
Se a maioria responder “não”, a votação também se encerra e o réu é absolvido.
3. O Quesito Genérico: Caso os jurados tenham respondido “sim” para os dois primeiros quesitos, reconhecendo que o crime aconteceu e que o acusado foi o responsável, o juiz formula a seguinte pergunta: “O jurado absolve o acusado?”
→ Esse é o chamado quesito genérico, pois permite que os jurados absolvam o réu mesmo após reconhecerem sua culpa, com base em fatores subjetivos como clemência, ausência de periculosidade, ou uma percepção moral de que o réu não deveria ser punido.
Se a maioria responder “sim”, o réu é absolvido de imediato. Se a maioria responder “não”, significa que os jurados decidiram pela condenação, e a votação prossegue para definir agravantes ou atenuantes da pena.
Quesitos Adicionais (Caso Haja Condenação): Caso os jurados decidam não absolver o réu, são formulados os seguintes quesitos:
Causa de diminuição da pena alegada pela defesa: Se houver tese defensiva de redução da pena, os jurados votam sobre sua aplicação.
Circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena: Se houver qualificadoras ou agravantes descritas na pronúncia, os jurados também votam sobre a incidência delas no caso.
Ademais, sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o 2º ou 3º quesito, conforme o caso.
Após essa fase, o juiz calcula a pena com base no Código Penal e profere a sentença.
Quanto ao quesito genérico…
O quesito genérico é um quesito formulado quando que os jurados reconhecem a materialidade e autoria do crime, permitindo a absolvição por razões subjetivas, tais como a clemência.
No caso, não houve pedido de absolvição por clemência.
No caso, a defesa não pleiteou a absolvição por clemência e sua única tese limitou-se à negativa de autoria, proposição rejeitada pelos jurados, que entenderam haver o réu participado do delito.
Portanto, a decisão do Tribunal do Júri se mostra contraditória, uma vez que, apesar de a defesa haver sustentado apenas negativa de autoria por insuficiência de provas e não haver pleiteado a absolvição por clemência, o réu foi absolvido no quesito genérico.
Impossibilidade e absolvição pelo quesito genérico quando a única tese defensiva é a negativa de autoria e esta não é acolhida pelos jurados.
Ambas as Turmas Criminais do STJ têm entendido que, em situações nas quais a negativa de autoria é a única proposição defensiva, a absolvição do agente no terceiro quesito não deve subsistir quando houve votação positiva dos dois primeiros, ocasião em que os jurados rejeitaram a tese da defesa, porquanto afirmaram ser o acusado o autor do delito.
Dessa forma, evidenciado está o acerto da conclusão da Corte estadual de que “o veredito absolutório pela resposta positiva ao quesito genérico não encontra nenhum respaldo nas provas dos autos”, devendo o réu ser julgado por novo Júri.
STJ. AgRg no AREsp 2.756.710-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 17/12/2024, DJEN 23/12/2024 (info 839).