Conceitos Necessários
Foro por Prerrogativa de Função: Conhecido também como foro privilegiado, é norma de competência que determina que algumas autoridades tenham seus processos penais originalmente julgados por Tribunais (Tjs, TRFs, STJ, STF…), dependendo do cargo que ocupam. A justificativa para tal prerrogativa é proteger o exercício da função, garantindo que a autoridade não seja submetida a julgamentos com viés político ou perseguições em instâncias inferiores.
Revisão Criminal: Prevista no art. 621 do Código de Processo Penal (CPP), permite a reavaliação de uma condenação transitada em julgado quando há novas provas da inocência do réu ou vícios no processo que possam ter levado a uma condenação injusta. A revisão criminal é uma ação que permite a desconstituição da coisa julgada.
Concurso de Agentes: Refere-se a situações em que duas ou mais pessoas contribuem para a realização de um crime. O art. 580 do CPP destaca que, em caso de concurso de agentes, a decisão favorável a um dos réus em recurso pode beneficiar os demais, desde que os motivos do recurso não sejam exclusivamente pessoais ao réu que obteve a decisão favorável.
Exemplo Didático.
Imagine que três pessoas, A, B e C, são acusadas de cometerem juntos um crime de corrupção. A tem foro por prerrogativa de função no TRF, enquanto B e C são empresários sem tal prerrogativa.
Por conta do foro privilegiado, A tem seu caso julgado pelo TRF, sendo ao final condenado. Já B e C foram julgados por uma vara criminal federal e absolvidos, sendo a decisão confirmada por um órgão fracionário do TRF diversa da que condenou B.
Diante disso, A propõe uma revisão criminal com base na argumentação de que, se seus coacusados foram absolvidos pelos mesmos fatos, a sua condenação representa uma incoerência processual.
Considerando o exposto, é admissível a absolvição de A por meio de revisão criminal, baseada na absolvição de seus coacusados B e C?
Sim. Existe incoerência processual, suscetível de correção por meio de revisão criminal, na hipótese de condenação de réu com foro por prerrogativa de função e à absolvição dos demais réus sem tal prerrogativa, em decorrência da imputação dos mesmos crimes.
Controvérsia.
O cerne da controvérsia cinge-se à possibilidade de subsistência da responsabilização criminal do acusado a despeito do superveniente pronunciamento da inexistência das mesmas premissas fáticas emolduradas na denúncia contra todos os réus, por órgão fracionário diverso do mesmo Tribunal Regional Federal, responsável pela prestação jurisdicional no processo remanescente dos corréus despidos de foro especial por prerrogativa de função.
No caso, há incoerência processual.
No caso, vislumbra-se que há nítida incoerência processual no tocante à condenação indistinta do acusado com foro por prerrogativa de função e a absolvição dos demais réus sem prerrogativa de foro em razão da imputação dos mesmos fatos delitivos. Conquanto se trate de provimentos jurisdicionais exarados em bases procedimentais distintas, a dissonância só se justificaria se calcada em evidências exclusivas hauridas na instrução autônoma do feito desmembrado em função da competência por prerrogativa de foro, sob pena de odiosa violação aos princípios baluartes da isonomia processual/igualdade perante a lei, segurança jurídica, da justiça e boa-fé processuais. Entretanto, esse traço distintivo não é perceptível no quadro em análise.
Indubitavelmente, apesar de o condenado e os demais acusados terem sido processados em autos diversos, é evidente que a conduta delitiva narrada na exordial acusatória envolve a todos, sendo desarrazoada a aplicação de conclusões diversas a condutas manifestamente similares e/ou conexas, ao menos sem que sobressaia arcabouço probatório independente e capaz de suplantar a carência probatória aferida na decisão posterior sobre os crimes antecedentes.
Era possível o julgamento conjunto de todos os litisconsortes em virtude da conexão instrumental.
Ressalta-se que o Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região tinha a opção de processar todos os acusados em conjunto com o réu detentor de foro privilegiado, como forma de evitar decisões contraditórias aos litisconsortes passivos, haja vista a concatenação (conexão instrumental) das condutas imputadas, sendo este o entendimento, inclusive, exarado no Enunciado da Súmula n. 704 do Supremo Tribunal Federal.
#Súmula 704-STF: Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.
O desmembramento do julgamento dos processos não pode prejudicar um dos réus.
Contudo, tendo o Órgão Especial da Corte de origem optado pelo desmembramento do feito em relação aos réus sem prerrogativa de foro, é ululante a discrepância dos julgamentos em debate. Essa linha intelectiva independe da discussão quanto ao acerto, ou não, dos argumentos jurídicos apresentados no acórdão que entendeu pela absolvição dos outros réus. Por essa perspectiva, não é justo nem razoável que sujeito passivo da persecução penal seja prejudicado em razão da operada cisão processual.
Mostra-se irrelevante, na hipótese em análise, a discussão acerca da importância do crime antecedente para a absolvição ou condenação pelo delito de lavagem de dinheiro, pois o que prepondera é a extensão do mesmo entendimento jurídico em relação a todos os acusados abarcados indistintamente pelos mesmos fatos, os quais receberam julgamentos diametralmente opostos somente em virtude da questionável cisão processual.
Art. 580 do Código de Processo Penal.
Desse modo, haja vista o réu se encontrar na mesma situação fático-jurídica dos demais acusados que foram absolvidos nos autos desmembrados, aplicável, por analogia, o disposto no art. 580 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que: “[n]o caso de concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros”.
Código de Processo Penal.
Art. 580. No caso de concurso de agentes (Código Penal, Art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.
Portanto, é cabível a revisão criminal.
Admissível, portanto, a absolvição por meio de revisão criminal, com lastro no art. 621, incisos I e III, do CPP, na medida em que o acórdão transitado em julgado que deu ensejo à sua condenação mostrou-se manifestamente contrário ao conjunto global de evidências, pois em patente contrariedade à conclusão atingida na persecução penal matricial – da qual foi desmembrado – que culminou na absolvição dos demais acusados. Além disso, posteriormente à condenação do agravado, houve a configuração de um fato novo apto a respaldar a sua “inocência”, esta considerada em seu sentido amplo, haja vista que a conclusão sobre a ausência de provas suficientes para a condenação dos demais suspeitos deve ser aplicada à sua situação processual.
STJ. AgRg no AREsp 2.241.055-SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024, DJe 23/2/2024 (info 805).