Caso concreto.
Durante o julgamento da apelação, o Desembargador Revisor, que proferiu o voto vencido e, portanto, foi redator do acórdão condenatório, proferiu ofensas verbais ao se referir ao acusado. O Desembargador se referiu ao acusado como um “animal” e “porco”. Vejamos alguns trechos degravados:
“Uma criança, que foi num período entre seis anos a onze anos, que ela sofreu esses abusos, que ela inventasse qualquer coisa pra denegrir a imagem de um suposto pai, porque nem pai podia ser… Uma pessoa dessas é um animal! Um animal! Um cara desse…”

“Então, pra abreviar, em razão do tempo, até, eu estou divergindo – me perdoe, Desembargador Gamaliel – mas eu ‘tô’ divergindo, mas eu não tenho como sair daqui… Absolver um animal desse! Esse cara foi um animal! Pra mim, um animal!”

Não pode haver o devido processo legal sem a imparcialidade do julgador, cuja falta, se objetivamente positivada, implica nulidade por suspeição (arts. 254, I e 564, I, do CPP).
Mesmo que nenhum juiz seja axiologicamente neutro, não se pode negar que o envolvimento emocional (subjetivo) do juiz com as partes do processo e com o fato apurado pode interferir na sua imparcialidade, atributo que faz parte do “devido processo legal”, de base constitucional (art. 5°, LIV).

Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
I. se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II.se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;
III. se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;
IV. se tiver aconselhado qualquer das partes;
V. se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;
VI. se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
I. por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;

Lei Orgânica da Magistratura Nacional.
O art. 35, IV, da Lei Complementar n. 35/1979, Lei Orgânica da Magistratura Nacional, arrola como dever do magistrado “tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência”.

Falta de imparcialidade.
Na hipótese – e aqui não está em discussão o fato criminoso imputado ao acusado, em termos de procedência, de improcedência ou de indigência probatória -, e com toda a vênia que se impõe, as desrespeitosas expressões que lhe foram dirigidas oralmente na sessão de julgamento da apelação exorbitam claramente de uma mera questão de falta de urbanidade, para configurar visível falta de imparcialidade e, portanto, caso de nulidade por suspeição.

Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José) celebrado em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, por ocasião da Conferência especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 27/1992, no art. 5.1 estipula que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral”, e no art. 5.2 estabelece que “ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.

Na parte em que trata das garantias judiciais, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece que “toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza” (art. 8.1).

As ofensas foram somente orais.
Não consta no voto escrito condutor do acórdão do Tribunal de origem nenhuma ofensa ao réu e, em nenhum momento o revisor utilizou termos pejorativos para denegrir a sua honra. Mas o fato é que ofensas informadas pela defesa teriam ocorrido durante a sessão de julgamento, por meio da manifestação oral do revisor que proferiu o voto divergente, já que o relator optara pela absolvição por insuficiência de provas.

As expressões ofensivas, desrespeitosas e pejorativas do eminente revisor do Tribunal de origem, e Relator para o acórdão, na sessão de julgamento do recurso de apelação, contra a honra o acusado que estava sendo julgado, ainda que não tenham sido registradas em seu voto escrito, senão em manifestação oral, mas induvidosas como fato processual documentado, constituem causa de nulidade absoluta, haja vista que ofendem a garantia constitucional da imparcialidade, que deve, como componente do devido processo legal, ser observada em todo e qualquer julgamento em um sistema acusatório. STJ. HC 718.525-PR, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 26/04/2022 (info 734).

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