Exemplo didático.
Imagine uma empresa chamada “Power S.A.” localizada no Estado de Rio Grande do Sul. Durante muitos anos, a administração tributária do estado não exigiu o pagamento do ICMS sobre as subvenções recebidas pela empresa da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).

Em 2024, após uma revisão interna e novas diretrizes estabelecidas, a administração tributária do Rio Grande do Sul decidiu que o ICMS deveria ser cobrado sobre as subvenções da CDE. Essa mudança de orientação foi oficializada por meio de um ato normativo publicado em março de 2024.

A “Power S.A.” questionou a cobrança retroativa do ICMS sobre as subvenções recebidas antes da publicação do novo ato normativo, alegando que a prática anterior de não cobrança constituía uma norma complementar. A empresa argumentou que, de acordo com o art. 146 do CTN, a modificação nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa só pode ser aplicada a fatos geradores ocorridos após a introdução da nova norma.

Pode a administração tributária cobrar retroativamente o ICMS sobre as subvenções da CDE recebidas pela “Power S.A.” antes da publicação do novo ato normativo em março de 2024?
Não. Havendo alteração de prática reiterada da Administração Tributária de não cobrar determinado tributo, este somente poderá ser cobrado a partir do fato gerador posterior à modificação da orientação administrativa, em observância ao princípio da irretroatividade.

Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia em saber se ausência de cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS sobre a subvenção advinda da conta de Desenvolvimento Energético (CDE) importa em mudança de orientação reiterada para os fins do art. 146 do Código Tributário Nacional (CTN).

A prática reiterada de não cobrar o imposto sobre tais subvenções foi considerada uma norma complementar, conforme o inciso III do art. 100 do Código Tributário Nacional (CTN).
Nesse sentido, para a referida análise se faz necessária a interpretação conjunta do art. 146 do CTN, com o art. 100 do mesmo diploma legal. O art. 100 do CTN assim está plasmado:

Código Tributário Nacional.
Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:
I. os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
II. as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;
III. as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;
IV. os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

Por sua vez, o art. 146 do CTN tem o seguinte teor:

Código Tributário Nacional.
Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.

O parágrafo único do art. 100 do CTN acrescenta a disposição no sentido de que devem ser excluídas as penalidades, juros e correção monetária da base de cálculo do tributo. Todavia, a tese de que apenas essas parcelas deveriam ser excluídas, sendo impositivo o pagamento de tributo de fatos geradores ocorrentes quando daquela prática reiterada, vai de encontro à disposição do referido normativo de caracterizar como norma complementar essa prática da administração, porquanto como norma tributária deve obedecer aos princípio da irretroatividade, vedando que a alteração dessas práticas possa atingir fatos já realizados na égide dessa norma complementar.

Dessa forma, com a análise dos dois dispositivos acima transcritos, verifica-se que a alteração na cobrança de imposto que não estava sendo cobrado, em face de uma decisão administrativa, determina que o tributo somente pode incidir quanto a fato gerador posterior à modificação administrativa.
STJ. AREsp 1.688.160-RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 17/10/2024, DJe 22/10/2024 (info 831).

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