Caso concreto.
Ana, desde o início do relacionamento com Antônio, é vítima de violência física, moral e patrimonial. Após anos de abusos, Ana procurou uma delegacia da mulher e narrou o contexto em que vive. Imediatamente, foi aplicada medida protetiva de urgência determinando o afastamento de Antônio do lar, bem como proibindo que este chegasse a menos de 100 metros da ofendida ou entrasse em contato com ela por qualquer meio de comunicação, além da fixação de alimentos provisórios.
Passados 60 dias, entretanto, Antônio, parou de pagar os alimentos fixados, situação que já se estende por meses.
Qual a natureza jurídica das medidas cautelares aplicadas a Antônio?
As medidas previstas no art. 22, incisos I, II e III, da Lei n. 11.340/2006 são de natureza criminal. Já as dispostas nos demais incisos desse dispositivo têm natureza cível. STJ. REsp 2.009.402-GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por maioria, julgado em 08/11/2022 (info 756).
Portanto, no caso concreto, a medida protetiva de urgência determinando o afastamento de Antônio do lar, bem como proibindo que este chegasse a menos de 100 metros da ofendida ou entrasse em contato com ela por qualquer meio de comunicação, possuem natureza penal. Já a medida protetiva que fixou os alimentos provisórios possui natureza cível.
Maria precisará propor uma ação requerendo a conversão dos alimentos provisórios em definitivos?
Não. Nos termos do art. 308, do CPC, quando efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar.
Código de Processo Civil.
Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.
O inciso V do art. 22 da Lei n. 11.340/2006 faz menção a alimentos provisórios ou provisionais, termos que são utilizados, no mais das vezes, como sinônimos. Embora não o sejam tecnicamente, a diferença é apenas terminológica e procedimental, guardando entre si, na substância, inequívoca identidade, destinando-se a garantir à alimentanda, temporariamente, os meios necessários à sua subsistência, do que ressai a sua natureza eminentemente satisfativa, notadamente porque a correspondente verba alimentar não comporta repetição. Desse modo, à medida protetiva de alimentos (provisórios ou provisionais) afigura-se absolutamente inaplicável o art. 806 do CPC/1973 (art. 308 do CPC/2015), que exige o ajuizamento de ação principal no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de perda da eficácia da medida, já que não se cuida de medida assecuratória/instrumental.
Cessada a situação de violência, os alimentos deixam de ser devidos?
Não. O entendimento que melhor se coaduna com os propósitos protetivos da Lei n. 11.340/2006 é o que considera subsistentes os alimentos provisórios e provisionais enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de violência doméstica e familiar – e não, simplesmente, enquanto perdurar a situação de violência.
Compreender que a interrupção das agressões, por intermédio da intervenção judicial, seria suficiente para findar o dever de prestação de alimentos (a essa altura, se reconhecido, sem nenhum efeito prático) equivaleria a reconhecer a sua própria dispensabilidade, ou mesmo inutilidade, o que, a toda evidência, não é o propósito da lei. A cessação da situação de violência não importa, necessariamente, o fim da situação de hipervulnerabilidade em que a mulher se encontra submetida, a qual os alimentos provisórios ou provisionais visam, efetivamente, contemporizar.
A revogação da decisão que fixa a medida protetiva de alimentos depende de decisão judicial que reconheça a cessação de tal situação, cabendo, pois, ao devedor de alimentos promover as providências judiciais para tal propósito, sem o que não há falar em exaurimento da obrigação alimentar.
Em caso de inadimplência, é possível executar o título que fixou os alimentos?
Sim. A medida protetiva de alimentos, fixada por Juízo materialmente competente é, por si, válida e eficaz, não se encontrando, para esses efeitos, condicionada à ratificação de qualquer outro Juízo, no bojo de outra ação, do que decorre sua natureza satisfativa, e não cautelar. Tal decisão consubstancia, em si, título judicial idôneo a autorizar a credora de alimentos a levar a efeito, imediatamente, as providências judiciais para a sua cobrança, com os correspondentes meios coercitivos que a lei dispõe. Compreensão diversa tornaria inócuo o propósito de se conferir efetiva proteção à mulher, em situação de hipervulnerabilidade, indiscutivelmente. STJ. RHC n. 100.446/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 27/11/2018, DJe de 5/12/2018.
Qual o juízo competente para executar a decisão que fixou os alimentos?
A própria vara especializada, que fixou os alimentos, é competente para a execução. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da justiça ordinária têm competência cumulativa para o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 14, da Lei nº 11.340/2006.
Negar o julgamento pela Vara especializada, postergando o recebimento dos provisionais arbitrados como urgentes, seria não somente afastar o espírito protetivo da lei, mas também submeter a mulher a nova agressão, ainda que de índole diversa, com o prolongamento de seu sofrimento ao menos no plano psicológico. STJ. REsp n. 1.475.006/MT, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 14/10/2014, DJe de 30/10/2014.
É possível a prisão civil decorrente do inadimplemento dos alimentos?
Sim. A decisão proferida em processo penal que fixa alimentos em razão de prática de violência doméstica constitui título hábil para imediata cobrança e, em caso de inadimplemento, é possível a decretação de prisão civil.
Ainda segundo a moldura fática delineada nos autos, os débitos alimentares que ensejaram a decretação da prisão civil são aqueles considerados atuais, em detida atenção ao enunciado nº 309 da Súmula do STJ. Saliente-se, a esse propósito, que a prisão civil, como decorrência do inadimplemento da medida protetiva de alimentos (atuais), não exclui outras, notadamente de viés criminal que deste mesmo fato possa advir (art. 40 da Lei n. 11.340/2006). STJ. RHC n. 100.446/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 27/11/2018, DJe de 5/12/2018.
Qual a natureza jurídica dessa prisão?
Trata-se de uma prisão civil.
Voltando ao caso concreto…
Voltando ao caso concreto, suponha que Antônio vinha cumprindo todas as outras medidas protetivas aplicadas, com exceção da fixação de alimentos provisórios. Ana, então, noticiou tal fato ao juizado especializado, motivo pelo qual foi expedida ordem judicial intimando Antônio a pagar os alimentos atrasados ou provar que já o fez em 24 horas sob pena de conversão das medidas protetivas em prisão preventiva.
Agiu corretamente o juiz?
Não. Existindo contra o paciente a imputação de ataques físicos e morais à vítima com a fixação de diversas cautelares que preservam a segurança dela (art. 22, II e III, da Lei Maria da Penha), o descumprimento de cautelar de prestação de alimentos sem a indicação concreta de prejuízo efetivo à vítima não autoriza a prisão.
A cobrança dos alimentos deve seguir um dos ritos previstos no Código de Processo Civil.
Possibilidade de cobrança do valor devido por outros meios previstos no CPC:
a) de título executivo extrajudicial, mediante ação judicial, visando à cobrança pelo rito da prisão (art. 911 do CPC);
b) de título executivo extrajudicial, pelo rito da expropriação (art. 913 do CPC);
c) cumprimento de sentença ou decisão interlocutória para a cobrança de alimentos pelo rito da prisão (art. 528 do CPC); e
d) cumprimento de sentença ou decisão interlocutória para a cobrança dos alimentos pelo rito da expropriação (art. 530 do CPC).
STJ. HC n. 454.940/GO, relatora Ministra Laurita Vaz, relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 15/8/2019, DJe de 2/9/2019.