Caso concreto.
José e Fabíola eram companheiros, bem como residiam na cidade de Belém-PA juntamente com seus filhos. Durante anos, Fabíola sofreu agressões, motivo pelo qual fugiu para a cidade de São Paulo-SP.
Agora morando em outro Estado, Fabíola passa por dificuldades econômicas, motivo pelo qual compareceu ao Juizado da Mulher de São Paulo-SP e narrou a situação de violência, bem como requereu a fixação de medida protetiva de urgência com a fixação de alimentos provisórios, a serem pagos pelo autor das agressões.
O Juizado da Mulher de São Paulo-SP é competente para conceder a medida protetiva?
Sim. Há uma competência alternativa, conforme escolha da vítima. Vejamos:
Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha.
Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:
I. Do seu domicílio ou de sua residência;
II. Do lugar do fato em que se baseou a demanda;
III. Do domicílio do agressor.
A ação penal a ser movida em face de José por conta das agressões também poderá ser proposta em São Paulo-SP?
Não. Se todos os atos executórios dos crimes do art. 129, § 9.º e 147-A do Código Penal ocorreram na comarca de Belém/PA, a competência para a persecução penal é do Juízo do local dos fatos, nos termos do art. 13 da Lei n. 11.343/2006, c.c. o art. 70, caput, do Código de Processo Penal, não se alterando em razão de a Vítima ter fixado domicílio em São Paulo/SP, ou mesmo por ter requerido e obtido medidas protetivas junto ao Juízo paulista.
A previsão do art. 15 da Lei Maria da Penha é expressa e não deixa dúvida de que a sua aplicação é limitada aos feitos cíveis. A flexibilização da regra para incidi-la em feitos criminais seria uma analogia in malam partem. A rigor, não seria sequer analogia, pois existindo previsão expressa no Código de Processo Penal, não há omissão legislativa a ser suprida por analogia. Na verdade, estaria se afastando um dispositivo cogente do Estatuto Processual Penal para se aplicar uma regra processual que é expressamente dirigida aos feitos de natureza cível.
Havendo regra expressa de fixação da competência penal, o deslocamento da competência da persecução criminal para Juízo diverso daquele estabelecido no Código de Processo Penal, pela aplicação de regra processual civil, caracterizaria evidente ofensa ao princípio do juízo natural. Além disso, admitir a possibilidade da ação ser proposta no domicílio da Vítima, inclusive quando decorrentes de mudança de domicílio posterior aos fatos delituosos, abriria a possibilidade de “escolha” do Juízo em que seria proposta a ação penal, ofendendo, também o referido princípio constitucional.
Nos casos de violência doméstica, a ação penal é pública, a ser oferecida pelo Ministério Público e não pela própria Vítima.
Por essa razão, nenhuma dificuldade traria, à propositura da ação penal, a circunstância de que o seu ajuizamento deve ocorrer no local dos fatos, segundo a regra contida no Estatuto Processual Penal. O Ministério Público, em sua atuação, é uno e indivisível. É diferente das ações cíveis previstas na Lei Maria da Penha que, via de regra, são propostas pela própria Vítima, motivo pelo qual o art. 15 do referido Diploma possibilitou o seu ajuizamento em seu domicílio, como forma de facilitação do acesso à Justiça.
A possibilidade de a ação penal ser proposta no domicílio da Vítima, embora aparente lhe ser benéfica, na verdade, lhe seria prejudicial.
Basta ver que, iniciada a ação penal no domicílio da Vítima, o Réu-Agressor terá motivo para se deslocar até o local a fim de exercer seu direito de autodefesa, por exemplo, para ser interrogado ou acompanhar a audiência de instrução e julgamento, inclusive o depoimento da Vítima. O processamento da ação penal no domicílio da Vítima prejudicaria a busca da verdade real e dificultaria a elucidação e punição dos crimes. Para isso, o melhor local é o do fatos, tanto que é a regra primeva de fixação de competência no Código de Processo Penal.
A fixação de medida protetiva pelo juízo do domicílio da vítima não gera prevenção.
Sem prejuízo da fixação da competência para a persecução penal, incumbe ao Juízo do domicílio da Vítima apreciar o pedido urgente de concessão de medidas protetivas, como ocorreu no caso concreto, sem que isso gere qualquer tipo de prevenção para a análise do feito criminal. Isso possibilita à Vítima obter a tutela jurisdicional com a rapidez e urgência necessárias, recebendo do Poder Judiciário, a proteção devida, em caráter imediato. STJ. CC n. 187.852/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 9/11/2022, DJe de 18/11/2022.)