Caso concreto adaptado.
Após anos de relacionamento com Edgar, Luana engravidou, dando a luz a Enzo. Edgar, entretanto, não quis assumir o filho, afirmando que tinha graves suspeitas de que não era o pai.
Enzo, representado por sua mãe, propôs ação de investigação de paternidade em face de Edgar. Em contestação, o advogado (e filho) de Edgar, Dr. Miguel, afirmou que Luana era uma prostituta e manteve relações sexuais com diversas pessoas, inclusive com parentes dos réus, de modo que qualquer deles poderia ser o pai.
Indignada, Maria propôs uma ação requerendo que o advogado (Dr. Miguel) a indenizasse por danos morais. No decorrer da ação, verificou-se:
(i) que os réus, em ação investigatória de paternidade e em queixa-crime, afirmaram que a mãe do autor era uma prostituta;
(ii) que os réus, nas referidas ações, afirmaram que a mãe do autor manteve relações sexuais com diversas pessoas, inclusive com parentes dos réus, de modo que qualquer deles poderia ser o pai;
(iii) que não foi comprovado que a mãe do autor era prostituta;
(iv) que não foi comprovado que a mãe do autor manteve relações sexuais com terceiros;
(v) que foi cientificamente comprovado que o investigado era pai biológico do autor;
(vi) que um dos réus é advogado e, nos processos mencionados, atuou em causa própria e também em representação dos demais réus e irmãos.
O advogado poderá ser condenado a indenizar Luana pelos danos morais causados?
Sim.
Argumentos tendentes a desqualificar a moral e a conduta da parte adversária são eticamente questionáveis, especialmente frente a existência de prova técnica comprovadamente segura (exame de DNA).
São juridicamente irrelevantes e dissociados da defesa técnica, nas ações investigatórias de paternidade, os argumentos tendentes a desqualificar a moral e a conduta da parte adversária, eis que existe, há pelo menos 30 anos, uma forma técnica e científica, comprovadamente segura e eficiente, de investigação da relação biológica paterno-filial – o exame de DNA, que não apenas dispensa, como torna inúteis, inadequadas e impróprias as discussões relativas à moral e à conduta das partes.
Significa dizer que, ao menos desde a introdução do exame de DNA como meio de prova determinante para a apuração dos vínculos de parentesco sob a perspectiva biológica, é preciso reexaminar sob diferentes perspectivas os argumentos lançados em defesa, especialmente nas ações de família, que, a pretexto de serem jurídicos e necessários, nada mais revelam do que ofensas gratuitas e que são resquícios de um discurso odioso, sexista, machista e misógino que não pode possuir mais espaço na sociedade.
O advogado pode ser responsabilizado no caso de ação fora dos limites éticos.
Se as informações recebidas pelo representante constituído são ofensivas à parte contra quem se litigará e se são elas irrelevantes no contexto em que se desenvolverá a controvérsia, é dever do advogado filtrar essas informações, pautando suas condutas no processo a partir dos estritos limites da técnica e da ética, uma vez que a imunidade profissional não é absoluta e não lhe confere o direito de materializar as ofensas que lhe foram ditas em particular pela parte, sob pena de praticar, ele próprio, o ato ilícito ofensivo à reputação e à imagem da parte adversa.
Nesse contexto, mostra-se desprovida de técnica e de ética, bem como propositalmente ofensiva, a alegação de que a mãe do autor seria prostituta, como se esse fato, não provado, seria em alguma medida impeditivo à maternidade, e como se as prostitutas também não pudessem ser, como de fato muitas vezes são, mães.
A ausência de condenação na esfera criminal é irrelevante.
É irrelevante que não tenha havido a condenação criminal dos réus em virtude das ofensas perpetradas, tendo em vista o princípio da autonomia das justiças civil e penal, especialmente na hipótese em que a existência do fato danoso sequer é controversa, mas, ao revés, apenas se pretende dar a esse fato incontroverso um suposto verniz de licitude e de legalidade ao albergue da imunidade profissional.
O fato das ofensas terem ocorrido em peças escritas em ação em segredo de justiça, bem como de Luana não ser parte na ação (mas sim representante de Miguel) não impedem o dever de indenizar.
Os fatos de as ofensas terem sido deduzidas apenas em peças escritas, em processos que tramitaram em segredo de justiça e nos quais apenas o filho era parte, não afastam a possibilidade de condenação do advogado a reparar os danos morais por ele causados, seja porque as ofensas atingiram diretamente o seu propósito de desqualificar a mãe do autor (que age para a tutela de direito próprio e de direito alheio transmitido pela herança), seja porque as ofensas, embora proferidas em um âmbito muito mais restrito de circulação, puderam, em tese, ser conhecidas, ao menos, pelos magistrados que atuaram na causa e pelos servidores que manusearam o processo.
Tendo em vista as peculiaridades do caso concreto, a parte também foi responsabilizada.
Conquanto precedente desta Corte tenha firmado entendimento no sentido de que, em hipóteses em que se discutam excessos e ofensas não albergadas pela imunidade profissional, a legitimação passiva e a responsabilidade civil é exclusiva do advogado, ressalvou-se a possibilidade de responsabilidade também da parte nas hipóteses de culpa in eligendo ou de assentimento às manifestações escritas do advogado, dedutíveis do contexto fático na hipótese em exame em que um dos réus é advogado, também filho do investigado (ou seja, é irmão unilateral do autor), atuou em causa própria nas ações em que as ofensas foram desferidas e atuou, ainda, em representação processual de seus irmãos, os demais réus, naqueles processos.
Valor da indenização.
Recurso especial conhecido e provido, para julgar procedente o pedido de reparação dos danos morais, arbitrados em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
STJ. REsp n. 1.761.369/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 22/6/2022.