Caso concreto adaptado.
Isabel é criança de 10 anos de idade e foi estuprada pelo seu padrasto.
A Lei Maria da Penha se aplica ao caso?
Sim.
Sujeito ativo dos crimes previstos na Lei Maria da Penha: Pode ser homem ou mulher.
Sujeito passivo dos crimes previstos na Lei Maria da Penha: Necessariamente mulher.
A Lei Maria da Penha pode ser aplicado, por exemplo, em casos de agressões de:
• Filho ou filha contra mãe: HC 290.650/MS / HC 277.561/AL.
• Pai ou mãe contra a filha: HC 178.751/RS.
• Padrasto ou Madrasta contra a enteada: RHC 42.092/RJ.
• Neto ou neta contra a avó: AREsp 1.626.825/GO.
• Genro ou nora contra a sogra: RHC 50.847/BA / HC 175.816/RS.
• Tio ou tia contra sobrinha: HC 250.435/RJ.
• Ex-namorado contra ex-namorada: HC 182.411/RS.
• Neto da dona da casa contra a empregada doméstica: AgRg no REsp n. 1.900.478/GO.
No caso concreto, ocorreu violência de gênero.
A instância de origem consignou expressamente que bem caracterizada está a violência de gênero, uma vez que o crime foi praticado contra criança subjugada pela sua condição específica (sexo feminino) e em âmbito doméstico e familiar – estupro praticado por ex-padrasto contra enteada. Dessa forma, a alteração desse entendimento, no sentido de que o delito não fora praticado em razão do gênero da vítima, senão de sua imaturidade, demandaria a análise de matéria fático-probatória, o que é vedado na via do writ.
Segundo precedente desta Corte Superior, “a amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que a um só tempo facilita o acesso da mulher, vítima de violência familiar e doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção” (REsp 1550166/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 18/12/2017).
É descabida a preponderância de um fator meramente etário, para afastar a competência da vara especializada.
Em recente julgamento a Sexta Turma desta Corte Superior entendeu que “é descabida a preponderância de um fator meramente etário, para afastar a competência da vara especializada e a incidência do subsistema da Lei Maria da Penha, desconsiderando o que, na verdade, importa, é dizer, a violência praticada contra a mulher (de qualquer idade), no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto” (RHC n. 121.813/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 20/10/2020, DJe de 28/10/2020).
A Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) deve ser aplicada em situações de violência praticada contra a mulher, em contexto caracterizado por relação de afeto, poder e submissão, praticada por homem ou mulher sobre mulher, em situação de vulnerabilidade, como no presente caso, em que se trata de estupro praticado pelo ex-padrasto contra a enteada. HC n. 728.173/RJ, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Terceira Seção, julgado em 26/10/2022, DJe de 30/11/2022.
Qual a competência para julgamento do crime?
Em regra, é do juizado ou vara especializada nos moldes do art. 23 da Lei 13.431/17, as ações penais que tratam de crimes praticados com violência contra a criança e o adolescente. Caso não exista a referida vara especializada, a competência será da vara especializada em violência doméstica. Apenas na ausência de ambas, os processos serão julgados na vara comum.
Acompanho os fundamentos do voto vista da Ministra Laurita Vaz, para:
a) nas comarcas em que não houver juizado ou vara especializada nos moldes do art. 23 da Lei 13.431/17, as ações penais que tratam de crimes praticados com violência contra a criança e o adolescente, distribuídas até a data da publicação do acórdão deste julgamento (inclusive), tramitarão nas varas às quais foram distribuídas originalmente ou após determinação definitiva do Tribunal local ou superior, sejam elas juizados/varas de violência doméstica, sejam varas criminais comuns;
b) nas comarcas em que não houver juizado ou vara especializada nos moldes do art. 23 da Lei 13.431/17, as ações penais que tratam de crimes praticados com violência contra a criança e o adolescente, distribuídas após a data da publicação do acórdão deste julgamento, deverão ser obrigatoriamente processadas nos juizados/varas de violência doméstica e, somente na ausência destas, nas varas criminais comuns.
Portanto, a ordem de prioridade é a seguinte:
1) A competência é da vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, de que trata o art. 23 da Lei nº 13.431/2017. Em não havendo, a competência será…
2) Da vara especializada em em violência doméstica e familiar contra a mulher. Em não havendo, a competência será…
3) Da vara criminal comum.
Após o advento do art. 23 da Lei nº 13.431/2017, nas comarcas em que não houver vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, compete à vara especializada em violência doméstica, onde houver, processar e julgar os casos envolvendo estupro de vulnerável cometido pelo pai (bem como pelo padrasto, companheiro, namorado ou similar) contra a filha (ou criança ou adolescente) no ambiente doméstico ou familiar.
STJ. 3ª Seção. EAREsp 2.099.532/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/10/2022 (Info 755).
A partir da entrada em vigor da Lei n. 13.431/2017, nas comarcas em que não houver vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, compete à vara especializada em violência doméstica julgar as ações penais que apurem crimes envolvendo violência contra crianças e adolescentes, independentemente de considerações acerca do sexo da vítima ou da motivação da violência, ressalvada a modulação de efeitos realizada no julgamento do EAREsp 2.099.532/RJ.
STJ. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 14/2/2023 (info 765).