Caso concreto adaptado.
Nico é criança de 5 (cinco) anos de idade, portadora de paralisia cerebral devido à prematuridade extrema e malformação do sistema nervoso central, dependente de gastrostomia para alimentação e traqueostomia para suporte ventilatório contínuo.

A criança está em processo de adoção pelos tios maternos, que detêm sua guarda provisória. Desde maio de 2020 a criança está internada na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital São Camilo, em Belo Horizonte, tendo sido relatado pelo referido nosocômio vários incidentes envolvendo os seus guardiões e a equipe médica que acompanha o seu tratamento.

Ocorre que a guardiã da menor realiza intervenções desautorizadas, que colocam em risco a saúde da criança e questiona, constantemente, os procedimentos médicos realizados, intimidando e ameaçando a equipe médica. Ainda de acordo com o hospital, a guardiã da menor chega a ligar 30 (trinta) vezes por dia para ter informações sobre o estado de saúde da criança.

Da mesma forma, o guardião da menor, que em certa oportunidade chegou a demandar a presença da Polícia Militar no hospital por conta de desentendimentos com a equipe médica. De ressaltar que esses comportamentos dos representantes legais da menor são reincidentes, uma vez que há relatos dos mesmos incidentes quando da internação da menor no mesmo hospital em 2018, bem como de desentendimentos com profissionais que prestavam assistência médica à criança em casa, no período anterior à internação atual.

Devido a esses fatos, o hospital proibiu que a guardiã de Nico permanecesse no local por período integral, limitando os períodos de visitas.

A limitação é possível?
No caso concreto, sim.

O que diz a lei?
Em virtude do indispensável tratamento protetivo a que faz jus a criança, cujos melhores interesses são prioritários, o acompanhamento dos pais ou dos responsáveis durante o tratamento médico hospitalar, em período integral, tem expressa previsão legal no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 12). Dispositivo legal semelhante consta, também em virtude de seu caráter protetivo, no Estatuto da Pessoa com Deficiência (art. 22).

No caso, a presença constante do acompanhante estava atrapalhando o tratamento da criança.
Os preceitos legais em exame comportam um único norte interpretativo, voltado a promover, necessariamente, o atendimento aos melhores e superiores interesses do destinatário da norma protetiva, que é a criança, no caso dos autos, portadora de deficiência, a exigir maior cautela e cuidado na salvaguarda de seus direitos.

Em situação concreta, na qual a detida observância da norma protetiva não promove, idealmente, a preservação dos interesses da criança, mas, ao contrário, a coloca em risco, o regramento legal não poderá ser aplicado ou, ao menos, deverá ser flexibilizado, para que o direito e os melhores interesses da criança sejam efetivamente preservados.

A fundamentação central adotada na origem está lastreada justamente no reconhecimento de que a permanência dos guardiães, em período integral, no ambiente hospitalar, compromete o tratamento médico da criança, essencial a sua sobrevivência, colocando, portanto, em clara em situação de risco a sua segurança e saúde.

Nessa medida, sem tecer dúvida alguma quanto à boa intenção dos guardiães, não se antevê nenhuma ilegalidade ou abuso de poder na decisão liminar que lhes impôs restrição na visita à criança, assegurando-lhes uma hora por dia, todos os dias.
STJ. HC n. 632.992/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 27/4/2021, DJe de 4/5/2021.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Área de Membros

Escolha a turma que deseja acessar: