O poder-dever de zelar pelo meio ambiente é comum a todos os entes federativos.
Como antecipado, o dever-poder de zelar e proteger o meio ambiente – comum entre todos os entes federativos – emerge da própria Constituição Federal e da legislação infraconstitucional, especialmente a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) e Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente (Lei 9.605/1998), que fixam normas gerais sobre a matéria.
O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.
O art. 76 da Lei 9.605/1998 – no qual se baseia o Tribunal a quo para anular a multa imposta pelo Município – reproduz, com pequena diferença, preceito contido no art. 14, I, da Lei 6.938/1981. Eis o teor dos dispositivos:
Lei nº 6.938/1981 – Política Nacional do Meio Ambiente.
Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
I. à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios.
Lei nº 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais.
Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.
A norma mais recente prescreve que o pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência, ao passo que a anterior vedava a cobrança da sanção pecuniária pela União, se já tiver sido aplicada pelos demais entes federativos.
Como se percebe, o critério adotado pelo legislador – de duvidosa constitucionalidade – é de que prevalece a multa lavrada pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, em detrimento da constituída pela União. Embora passível de questionamento, sobretudo se considerado o regime de cooperação entre os entes federativos em matéria de proteção do meio ambiente e de combate à poluição (art. 23, VI e VII, da CF), o fato é que, no âmbito infraconstitucional, houve uniforme e expressa opção de que, em relação ao mesmo fato, a sanção imposta por Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios predomina sobre a multa de natureza federal.
A situação inversa não foi contemplada de forma intencional.
Está-se diante de um silêncio eloquente por parte do legislador, motivo pelo qual se afigura descabida a analogia adotada pelo Tribunal a quo. Se o pagamento da multa imposta pela União também afastasse a possibilidade de cobrança por Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, a lei teria afirmado simplesmente que o adimplemento de sanção aplicada por ente federativo afastaria a exigência de pena pecuniária por quaisquer dos outros.
Não há margem para interpretação de que a multa paga à União impossibilita a cobrança daquela aplicada pelo Município, sob pena de bis in idem, uma vez que a atuação conjunta dos poderes públicos, de forma cooperada, na tutela do meio ambiente, é dever imposto pela Constituição Federal, a qual, no parágrafo único de seu art. 23, delegou à Lei Complementar a fixação de normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
Registro, por fim, que, à época da infração administrativa sancionada, ainda não se encontrava em vigor a LC 140/2011, que fixou normas para cooperação entre os entes federativos nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum na defesa do meio ambiente, nos termos do art. 23, parágrafo único, da CF.
STJ. REsp n. 1.132.682/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe de 12/3/2020.