Caso concreto adaptado.
Luanne Van Houten é uma brasileira de origem holandesa, residente na cidade de Olinda-PE. Certo dia, Luanne, em passeio pelo Estado do Ceará, conheceu o povo indígena Tapeba, na cidade de Caucaia.

De imediato, Luanne se apaixonou pela cultura tapeba, e decidiu firmar residência na localidade. Além disso, Luanne passou a adotar o estilo de vida indígena.

Algum tempo depois, Luanne Van Houten propôs ação requerendo a total modificação de seu registro civil, posto que agora gostaria que em seu registro agora constasse Araci Tapeba.

O pedido de Luanne poderá ser atendido?
Não. Não é possível a completa supressão e substituição total do nome registral, por pessoa autoidentificada como indígena, por ausência de previsão legal, bem como por respeito ao princípio da segurança jurídica e das relações jurídicas a serem afetadas.

Princípio da definitividade do registro civil da pessoa natural.
A legislação pátria adota o princípio da definitividade do registro civil da pessoa natural, consolidada na recente alteração promovida pela Lei 14.382/2022, de modo que o prenome e nome são, em regra, definitivos a fim de garantir a segurança jurídica e a estabilidade das relações jurídicas.

A doutrina e a jurisprudência, no entanto, tem atribuído interpretação mais flexível e ampla às normas e consentânea com os fins sociais a que se destinam, permitindo o abrandamento da regra geral, para permitir a alteração do nome em casos específicos.

O que diz a lei?
O art. 55 da Lei n. 6.015/73, com redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022, estabelece que:

Lei nº 6.015/73 – Lei de Registros Públicos.
Art. 55. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome, observado que ao prenome serão acrescidos os sobrenomes dos genitores ou de seus ascendentes, em qualquer ordem e, na hipótese de acréscimo de sobrenome de ascendente que não conste das certidões apresentadas, deverão ser apresentadas as certidões necessárias para comprovar a linha ascendente.

Da legislação pertinente, extrai-se:
a) a possibilidade de uma única alteração imotivada de prenome;
b) a determinação de acréscimo, ao prenome, dos sobrenomes dos genitores ou ascendentes, de modo que a alteração do nome deve preservar os apelidos de família; e
c) a obrigatória observância de cautelas formais, relativas à preservação das anotações inerentes às alterações, tanto junto ao próprio registro público, como em relação às demais repartições publicadas incumbidas da emissão de documentos de identificação da pessoa física.

O caso concreto trata de completa supressão e substituição total do nome registral para adotar outros prenome e sobrenomes completos.
A presente hipótese, no entanto, trata de situação bem diversa das já julgadas por esta Corte. Pretende-se a completa supressão e substituição total do nome registral para adotar outros prenome e sobrenomes completos.

No entanto, na presente hipótese, verifica-se que se pretende não apenas proceder à substituição de seu prenome por outro, como também excluir de seu nome os patronímicos materno e paterno, deixando de referir, e, assim, apagando completamente, qualquer menção a sua estirpe familiar.

As hipóteses que relativizam o princípio da definitividade do nome, elencadas nos artigos transcritos da Lei de Registros Públicos, não contemplam a possibilidade de exclusão total dos patronímicos materno e paterno registrados, com substituição por outros de livre escolha e criação do titular e sem qualquer comprovação ou mínima relação com as linhas ascendentes, com concomitante alteração voluntária também do prenome registrado.

Resolução Conjunta CNJ/CNMP nº 3/2012.
A Resolução Conjunta CNJ/CNMP nº 3/2012, admite a retificação do assento de nascimento de pessoa indígena, para inclusão das informações constantes do art. 2º, caput e § 1º, relativas a nome indígena e à respectiva etnia. Não há previsão, no entanto, de adoção das mesmas medidas para pessoa que, sem mínima comprovação de origem autóctone brasileira, deseja tornar-se indígena, por razões meramente subjetivas e voluntárias, com substituição total do nome e exclusão dos apelidos de família.

Resolução Conjunta CNJ/CNMP nº 3/2012.
Art. 2º No assento de nascimento do indígena, integrado ou não, deve ser lançado, a pedido do apresentante, o nome indígena do registrando, de sua livre escolha, não sendo caso de aplicação do art. 55, parágrafo único da Lei n.º 6.015/73.
§ 1º No caso de registro de indígena, a etnia do registrando pode ser lançada como sobrenome, a pedido do interessado.

No caso concreto, não houve demonstração do pertencimento a nenhuma etnia indígena.
A indicada Resolução tutela os direitos de pessoa comprovadamente indígena, integrada ou não, sendo tal condição genética pré-requisito necessário para o alcance da norma, mas não ampara os casos em que existe apenas o forte e sincero desejo de passar a ser tida como indígena, sem que se comprove origem e ascendência de povo pré-colombiano.
STJ. REsp 1.927.090-RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 21/3/2023 (info 768).

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