Controvérsia.
O propósito recursal é definir se, na ação de destituição de poder familiar que envolva criança cujos pais possuem origem indígena, é obrigatória a intervenção da Fundação Nacional do Índio – FUNAI.

O que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente?
A revogação do art. 161, §2º, do ECA, pela Lei nº 13.509/2017, com tratamento da matéria no art. 157, §2º, do mesmo Estatuto, apenas esclarece que a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional ou multidisciplinar, bem como a intervenção da FUNAI, deverá ocorrer sempre e logo após o recebimento da petição inicial, não significando a referida modificação legal que a intervenção da FUNAI, em se tratando de destituição de poder familiar de criança que é filha de pais oriundos de comunidades indígenas, somente seria obrigatória nas hipóteses de suspensão liminar ou incidental do poder familiar.

Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 157, § 2º Em sendo os pais oriundos de comunidades indígenas, é ainda obrigatória a intervenção, junto à equipe interprofissional ou multidisciplinar referida no § 1º deste artigo, de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, observado o disposto no § 6º do art. 28 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)

Art. 161, §2º Em sendo os pais oriundos de comunidades indígenas, é ainda obrigatória a intervenção, junto à equipe profissional ou multidisciplinar referida no § 1º deste artigo, de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, observado o disposto no § 6º do art. 28 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)

Art. 161, §2º (Revogado) . (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)

Intervenção da FUNAI.
A intervenção da FUNAI nos litígios relacionados à destituição do poder familiar e à adoção de menores indígenas ou menores cujos pais são indígenas é obrigatória e apresenta caráter de ordem pública, visando-se, em ambas as hipóteses, que sejam consideradas e respeitadas a identidade social e cultural do povo indígena, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, bem como que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia.

As regras do art. 28, §6º, I e II, do ECA, visam conferir às crianças de origem indígena um tratamento verdadeiramente diferenciado, pois, além de crianças, pertencem elas a uma etnia minoritária, historicamente discriminada e marginalizada no Brasil, bem como pretendem, reconhecendo a existência de uma série de vulnerabilidades dessa etnia, adequadamente tutelar a comunidade e a cultura indígena, de modo a minimizar a sua assimilação ou absorção pela cultura dominante.

Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.
(…)
§6º Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório: (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
I. que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
II. que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
III. a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)

Nesse contexto, a obrigatoriedade e a relevância da intervenção obrigatória da FUNAI decorre do fato de se tratar do órgão especializado, interdisciplinar e com conhecimentos aprofundados sobre as diferentes culturas indígenas, o que possibilita uma melhor verificação das condições e idiossincrasias da família biológica, com vistas a propiciar o adequado acolhimento do menor e, consequentemente, a proteção de seus melhores interesses, não se tratando, pois, de formalismo processual exacerbado apenar de nulidade a sua ausência.

No caso concreto, não se anulou os atos já praticados, mas se determinou a que a FUNAI passaria a intervir no processo dali em diante.
Na específica hipótese em exame, as crianças, cuja genitora biológica é de origem indígena, mas que há muito convive na sociedade urbana, estão acolhidas cautelarmente em virtude da comprovada e absoluta inaptidão da genitora para exercer o poder familiar em razão de fatos gravíssimos, razão pela qual, rompidos os vínculos socioafetivos com a genitora, não seria adequada a nulificação integral do processo em que se pretende apenas a destituição do poder familiar, observando-se, contudo, a obrigatoriedade de intervenção da FUNAI, daqui em diante, em quaisquer procedimentos ou ações que envolvam as menores, assegurando-lhes a possibilidade de resgate ou de manutenção da cultura indígena.
STJ. REsp n. 1.698.635/MS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 1/9/2020, DJe de 9/9/2020 (info 679).

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