Caso concreto adaptado.
Maria ajuizou ação ordinária de obrigação de fazer, com pedido de tutela antecipada, em desfavor do Google objetivando que deixassem de indexar e apresentar os links para os sites e blogs que continham as imagens virtuais de ensaio sensual por ela realizado, impedindo a propagação e divulgação não autorizada. Para tanto, Maria argumenta que a veiculação das imagens leva a diversos comentários grotescos e chulos, caracterizam violação a direito da personalidade, por ofensa ao seu direito de imagem e à honra.
No pedido, Maria indicou a URL das páginas onde estão inseridos os conteúdos ilícitos/ofensivos e requereu que fossem desindexadas as palavras-chave nas buscas no Google, que via de regra direcionam aos conteúdos tidos por desabonadores de sua honra.
O Google pode ser obrigado a desindexar as palavras-chave?
Não. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que os provedores de pesquisa virtual não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido.
STJ. AgInt nos EDcl no REsp n. 1.733.008/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 20/9/2021, DJe de 23/9/2021.
Não é possível impor a provedores de aplicações de pesquisa na internet o ônus de instalar filtros ou criar mecanismos para eliminar de seu sistema a exibição de resultados de links contendo o documento supostamente ofensivo.
Mesmo com a entrada em vigor do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014), ficou mantido o entendimento de que não cabe aos provedores de pesquisa exercer controle prévio de filtragem de resultados de busca ou de determinados arquivos associados a parâmetros de pesquisa definidos por usuários outros daquele serviço de aplicação.
Em verdade, revela-se um contrassenso afirmar que aos provedores de aplicações de pesquisa não se pode impor o ônus de promover o controle prévio de seus resultados para fins de supressão de links relacionados com conteúdo manifestamente ilícito gerado por terceiros e impor a eles a obrigação de remover todos os links provenientes dos resultados de busca relacionados aos nomes das partes.
É muito importante, por isso, notar que há diferença ontológica entre desindexação de resultados de busca e remoção/exclusão de conteúdo específico constante de páginas precisamente indicadas pelos URLs. Assim, não se pode impor a provedores de buscas a obrigação genérica de desindexar resultados obtidos a partir do arquivo ilicitamente divulgado na internet. STJ. REsp 1.593.249-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021 (info 719).
Situação Excepcional:
Caso concreto adaptado.
Carla da Silva é suspeita de ter participado de esquema de fraude a concursos públicos no ano de 2010. Passados 10 anos, sempre que alguém digita “Carla da Silva” no Google, os primeiros resultados são relacionados ao suposto ocorrido.
Carla da Silva, então, requereu ao judiciário que determinasse que o Google “desindexasse” o seu nome das pesquisas relacionadas a tal fato. Em outras palavras: Carla não pediu que as notícias fossem excluídas, ou mesmo que elas ficassem inacessíveis pelo Google. O pedido foi somente no sentido de que a pesquisa exclusivamente de seu nome, sem qualquer outro termo, não fosse indexada a tais noticias. Por exemplo, de acordo com o pedido, a pesquisa pelos termos:
• Carla da Silva: não poderia levar as notícias sobre a fraude.
• Carla da Silva + fraude: poderia levar as notícias sobre a fraude.
Direito ao esquecimento.
Trata-se de juízo de retratação, para os fins do art. 1.040, inciso II, do CPC/2015, em decorrência do julgamento do RE 1.010.606/RJ, cuja repercussão geral foi reconhecida e no qual o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese (Tema 786): É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.
Caso concreto: pedido de desindexação nos resultados de buscas.
No acórdão proferido pela Terceira Turma do STJ, a autora ajuizou ação de obrigação de fazer, pleiteando a “desindexação”, nos resultados das buscas mantidas pelas rés, de notícias relacionadas às suspeitas de fraude em concurso público. A autora alegou que a indexação desses conteúdos seria causa de danos à sua dignidade e privacidade e, assim, defendeu a necessária filtragem dos resultados de buscas que utilizem seu nome como parâmetro, a fim de desvinculá-la das mencionadas reportagens.
Da análise do inteiro teor desse decisum, verifica-se que a insurgência era restrita ao apontamento do nome da autora, como critério exclusivo e desvinculado de qualquer outro termo, e a exibição de fato desabonador divulgado há mais de dez anos entre as notícias mais relevantes, sendo que a manutenção desses resultados acabava por retroalimentar o sistema, uma vez que, ao realizar a busca pelo nome da autora e se deparar com a notícia, o cliente acessaria o conteúdo – até movido por curiosidade despertada em razão da exibição do link – reforçando, no sistema automatizado, a confirmação da relevância da página catalogada.
Não houve reconhecimento de direito ao esquecimento.
A Terceira Turma, portanto, não permitiu que a autora impedisse, em razão da passagem do tempo, a divulgação dos fatos relacionados à suposta fraude no concurso público, o que seria, na linha do acórdão proferido no recurso extraordinário supracitado, acolher o direito ao esquecimento.
Na verdade, a questão foi decidida sob o prisma dos direitos fundamentais à intimidade e à privacidade, bem como à proteção de dados pessoais, não sendo determinada a exclusão da pesquisa no banco de dados pertencentes às rés, havendo apenas a determinação da desvinculação do nome da autora, sem qualquer outro termo, com a matéria desabonadora referente à fraude no concurso. O conteúdo, portanto, foi preservado.
Desvinculação do nome da autora, sem qualquer outro termo empregado, com o fato relacionado à suposta fraude no concurso público.
Em outras palavras, a Terceira Turma do STJ não determinou que os provedores de busca na internet retirassem o resultado acerca da fraude no concurso do índice de pesquisa, mas apenas determinou a sua desindexação, isto é, a desvinculação do nome da autora, sem qualquer outro termo empregado, com o fato relacionado à suposta fraude no concurso público, ocorrido há mais de uma década.
Esse fundamento, aliás, foi consignado expressamente na própria ementa do acórdão proferido por esta Corte Superior, onde constou que “o rompimento do referido vínculo sem a exclusão da notícia compatibiliza também os interesses individual do titular dos dados pessoais e coletivo de acesso à informação, na medida em que viabiliza a localização das notícias àqueles que direcionem sua pesquisa fornecendo argumentos de pesquisa relacionados ao fato noticiado, mas não àqueles que buscam exclusivamente pelos dados pessoais do indivíduo protegido”.
O caso não trata de eventual responsabilidade de provedores de internet.
No particular, vale destacar que o próprio Ministro Dias Toffoli, Relator do RE 1.010.606/RJ, que deu origem ao Tema 786/STF, afirmou categoricamente que o caso examinado pelo Supremo não tratava de eventual responsabilidade de provedores de internet em relação à indexação ou desindexação de conteúdos.
Em outras palavras, conforme ressaltado pelo Supremo Tribunal Federal, o direito à desindexação – que foi reconhecido por esta Terceira Turma – não se confunde com o direito ao esquecimento, objeto de análise no recurso extraordinário que deu origem à tese fixada no Tema 786/STF, razão pela qual não há que se falar em descumprimento da referida tese por esta Corte Superior. STJ. Processo em segredo judicial, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por maioria, julgado em 21/06/2022, DJe 30/06/2022 (info 743).