Caso concreto.
Romero Brito é um pintor, escultor e serígrafo brasileiro muito famoso. Apesar do seu nome registral, ser “Romero Brito”, este utiliza o nome artístico “Romero Britto” (a diferença está no “t” duplicado em “Britto”).

Romero deseja alterar oficialmente seu sobrenome de “Brito” para “Britto” para que corresponda à sua assinatura artística e à forma como é reconhecido.

Pode Romero Brito alterar seu sobrenome registral para “Romero Britto”, duplicando uma consoante, a fim de adequar seu nome registral à sua renomada assinatura artística?
Não. A discrepância entre a assinatura artística e o nome registral não consubstancia situação excepcional e motivo justificado à alteração da grafia do apelido de família.

Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de alteração de patronímico de família, com a duplicação de uma consoante, a fim de adequar o nome registral àquele utilizado como assinatura artística.

Atualmente, ante o feixe de proteção que irradia do texto constitucional, inferido a partir da tutela à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da CRFB/1988), o direito ao nome traduz-se como uma de suas hipóteses de materialização/exteriorização e abrange a garantia ao livre desenvolvimento da personalidade, devendo refletir o modo como o indivíduo se apresenta e é visto no âmbito social. Todavia, embora calcado essencialmente na tutela do indivíduo, há uma inegável dimensão pública a indicar que, associado ao direito ao nome, encontra-se o interesse social na determinação da referida identidade e procedência familiar, especificamente sob a perspectiva daqueles que possam vir a ter relações jurídicas com o seu titular.

O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro.
O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro, de modo que o nome civil, conforme as regras insertas nos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos, pode ser alterado:
a) no primeiro ano após o alcance da maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família; ou
b) ultrapassado esse prazo, excepcionalmente, por justo motivo, mediante oitiva do representante do Ministério Público e apreciação judicial.

Sobrenome.
O sobrenome, apelido de família ou patronímico, enquanto elemento do nome, transcende o indivíduo, dirigindo-se, precipuamente, ao grupo familiar, de modo que a admissão de alterações/modificações deve estar pautada pelas hipóteses legais, via de regra, decorrente da alteração de estado (adoção, casamento, divórcio), ou, excepcionalmente, em havendo justo motivo, preceituado no artigo 57 da Lei n. 6.015/1973. Tratando-se, portanto, de característica exterior de qualificação familiar, afasta-se a possibilidade de livre disposição, por um de seus integrantes, a fim de satisfazer interesse exclusivamente estético e pessoal de modificação do patronímico.

Nada obstante os contornos subjetivos do nome como atributo da personalidade e elemento fundamental de identificação do sujeito – seja no âmbito de sua autopercepção ou no meio social em que se encontra inserido -, o apelido de família, ao desempenhar a precípua função de identificação de estirpe, não é passível de alteração pela vontade individual de um dos integrantes do grupo familiar.

No caso, a modificação pretendida altera a própria grafia do apelido de família e, assim, consubstancia violação à regra registral concernente à preservação do sobrenome, calcada em sua função indicativa da estirpe familiar, questão que alcança os lindes do interesse público. Ademais, tão-somente a discrepância entre a assinatura artística e o nome registral não consubstancia situação excepcional e motivo justificado à alteração pretendida.

Um artista pode usar qualquer variação de seu nome nas obras que cria, mas isso não justifica legalmente a alteração do nome registral para incluir mudanças estéticas ou pessoais.
O nome do autor de obra de arte, lançado por ele nos trabalhos que executa, pode ser neles grafado nos moldes que bem desejar, sem que tal prática importe em consequência alguma ao autor ou a terceiros, pois se trata de uma opção de cunho absolutamente subjetivo, sem impedimento de qualquer ordem. Todavia, a utilização de nome de família, de modo geral, que extrapole o objeto criado pelo artista, com acréscimo de letras que não constam do registro original, não para sanar equívoco, mas para atender a desejo pessoal, não está elencado pela lei a render ensejo à modificação do assento de nascimento.
STJ. REsp 1.729.402-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/12/2021 (info 723).

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