Caso Concreto:
Maria e João foram casados por 5 anos, durante os quais Maria sofreu repetidas agressões físicas e psicológicas por parte de João. Após uma agressão particularmente grave, Maria decidiu denunciar João e solicitar medidas protetivas de urgência, conforme previsto na Lei Maria da Penha. As medidas foram concedidas, incluindo a proibição de João se aproximar de Maria e de sua residência.
Durante o processo penal, no entanto, devido a uma série de atrasos processuais e dificuldades na coleta de provas, o caso se estendeu por um período superior ao máximo previsto para a prescrição da pretensão punitiva do crime de lesão corporal leve no contexto de violência doméstica. Assim, a punibilidade de João foi extinta pela prescrição antes de haver uma sentença condenatória.
Apesar da extinção da punibilidade, Maria continuava a sentir-se ameaçada por João. Maria, então, solicitou à justiça a prorrogação das medidas protetivas de urgência, mesmo após a extinção da punibilidade de João, alegando temer pela sua segurança.
Mesmo após a extinção da punibilidade do autor por prescrição, a vítima de violência doméstica deve ser ouvida para verificar a necessidade de prorrogação ou concessão de novas medidas protetivas?
Sim. A vítima de violência doméstica deve ser ouvida para que se verifique a necessidade de prorrogação/concessão das medidas protetivas, ainda que extinta a punibilidade do autor.
Medidas protetivas de urgência.
As medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha buscam preservar a integridade física e psíquica da vítima, prescindindo, assim, da existência de ação judicial ou inquérito policial. Considerando essas características, vê-se que as referidas medidas possuem natureza inibitória, pois têm como finalidade prevenir que a violência contra a mulher ocorra ou se perpetue.
Natureza jurídica de tutela inibitória.
A natureza jurídica das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha é de tutela inibitória e não cautelar, inexistindo prazo geral para que ocorra a reavaliação de tais medidas, sendo necessário que, para sua eventual revogação ou modificação, o Juízo se certifique, mediante contraditório, de que houve alteração do contexto fático e jurídico.
STJ. REsp 2.036.072-MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 22/8/2023 (info 789).
A tutela deve ser mantida enquanto existir risco.
Reconhecida a natureza jurídica de tutela inibitória, a única conclusão admissível é a de que as medidas protetivas têm validade enquanto perdurar a situação de perigo. A decisão judicial que as impõe submete-se à cláusula rebus sic stantibus, ou seja, para sua eventual revogação ou modificação, mister se faz que o Juízo se certifique de que houve a alteração do contexto fático e jurídico.
STJ. REsp n. 2.036.072/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 30/8/2023.
Antes do afastamento da medida, a vítima deve ser ouvida, bem como, havendo necessidade, a medida deve ser mantida.
Independentemente da extinção de punibilidade do autor, a vítima de violência doméstica deve ser ouvida para que se verifique a necessidade de prorrogação/concessão das medidas protetivas.
STJ. REsp 1.775.341-SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 12/4/2023, DJe 14/04/2023 (info 770).
A extinção da punibilidade não é motivo para automaticamente extinguir a medida protetiva.
Antes do encerramento da cautelar protetiva, a defesa deve ser ouvida, notadamente para que a situação fática seja devidamente apresentada ao Juízo competente, que diante da relevância da palavra da vítima, verifique a necessidade de prorrogação/concessão das medidas, independente da extinção de punibilidade do autor.
STJ. REsp n. 2.036.072/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 30/8/2023.
Não confundir!
Jurisprudência em Teses do STJ, Ed. 206:
Tese 6: O Código de Processo Penal e a Lei Maria da Penha não fixam prazo para a vigência das medidas protetivas de urgência, entretanto sua duração temporal deve ser pautada pelo princípio da razoabilidade, pois não é possível a eternização da restrição a direitos individuais.
Tese 7: É indevida a manutenção de medidas protetivas de urgência na hipótese de conclusão do inquérito policial sem indiciamento do acusado.
Aprofundando!
A alteração promovida pela Lei n. 14.550/2023 não provocou qualquer modificação quanto à natureza cautelar penal das medidas protetivas previstas no art. 22, incisos I, II e III, da Lei n. 11.340/2006, apenas previu uma fase pré-cautelar na disciplina das medidas protetivas de urgência.
STJ. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 5/9/2023 (info 786).