Caso concreto adaptado.
Mévio foi acusado de matar sua ex-companheira Carol, com quem residia há sete anos juntamente com os dois filhos do casal. Na denúncia, o Ministério Público imputa ao acusado a prática as qualificadoras do feminicídio e do motivo torpe.
A defesa de Mévio, por sua vez, sustenta que há bis in idem na acusação. Segundo argumenta, as duas qualificadoras possuem caráter objetivo, o que inviabiliza a cumulação.
A defesa de Mévio tem razão?
Não. Diferentemente do alegado pela defesa, a qualificadora do feminicídio possui natureza objetiva, na medida em que está relacionada à condição de gênero feminino, enquanto a qualificadora do motivo fútil é de natureza subjetiva, pois diz respeito à pessoa do agente.
O feminicídio é qualificadora de natureza objetiva.
Não há se falar em ocorrência de bis in idem no reconhecimento das qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio, porquanto, a primeira tem natureza subjetiva e a segunda objetiva.
É possível o reconhecimento cumulativo do motivo torpe com o feminicídio.
Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar. STJ. 6ª Turma. HC 433.898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 24/04/2018 (Info 625).
O Tribunal do juri poderia afastar a qualificadora do feminicídio?
Não. É manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos jurados que não acolhe a qualificadora do feminicídio quando for incontroverso, no processo, que a morte da vítima ocorreu em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, entendida como aquela ocorrida no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, nos termos do art. 5º da Lei n. 11.340/2006.
No caso em análise, o réu foi denunciado e pronunciado pela prática de feminicídio contra a ex-companheira, com quem manteve relacionamento por cerca de sete anos e com quem residia, junto com os dois filhos do casal. Ao final da fase de judicium causae, os jurados concluíram que a materialidade e a autoria do crime estavam comprovadas e não absolveram o acusado no terceiro quesito. Todavia, contraditoriamente, afastaram a qualificadora prevista no art. 121, § 2º, VI, c/c o § 2º-A, I, do CP.
É inquestionável, por meio das premissas fáticas consignadas no acórdão, que o réu e a ofendida mantinham uma relação íntima de afeto, inclusive com coabitação. Conforme concluiu o Conselho de Sentença, a materialidade e a autoria delitiva também foram constatadas. Desse modo, deveria haver sido reconhecida a qualificadora do feminicídio, uma vez que se tratou de homicídio praticado em contexto de violência doméstica e familiar contra a ofendida, consoante o art. 5º, I, II e III, da Lei n. 11.340/2006.
STJ. AgRg no HC n. 808.882/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 30/8/2023.