Código Civil.
Art. 1.867. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento.

Exemplo Didático.
Imagine que José, um idoso cego, deseja fazer um testamento público para distribuir seus bens entre seus filhos e netos. Ele comparece a um cartório acompanhado de duas testemunhas. O tabelião lê o testamento em voz alta na presença de José e das testemunhas, mas não faz uma segunda leitura do documento. Além disso, o testamento não menciona expressamente a deficiência visual de José. Após a leitura, José assina o documento, confirmando sua vontade.

No exemplo de José, é válido o testamento público lido apenas uma vez pelo tabelião e sem menção expressa da deficiência visual de José?
Sim. É válido o testamento público produzido em cartório e lido em voz alta pelo tabelião na presença do testador e de duas testemunhas, apesar da ausência de segunda leitura do documento e da menção expressa da deficiência visual do testador.

Primazia da Manifestação da Vontade do Testador.
A primazia da manifestação da vontade do testador é um princípio fundamental no direito sucessório, que orienta a interpretação e aplicação das regras relacionadas aos testamentos. Esse princípio estabelece que a principal função das formalidades legais exigidas para a elaboração de um testamento é garantir que a verdadeira vontade do testador seja respeitada e efetivada. Quando essas formalidades não são cumpridas de maneira estrita, mas há provas suficientes de que a vontade do testador foi claramente expressa e compreendida, o testamento pode ser considerado válido.

Capacidade Cognitiva do Testador.
Embora não se tenha observado todas as exigências do art. 1.867 do Código Civil, o que vejo pelo contexto dos autos é que o testador no ato de testar se encontrava com plena capacidade mental para dispor de seus bens em favor do apelante, questão esta afirmada pela própria apelada quando do seu depoimento pessoal.

Ausência de Prejuízo às Formalidades Essenciais.
O Tribunal argumenta que, embora o testamento não tenha cumprido todas as exigências formais previstas na lei, isso não prejudicou a manifestação da última vontade do testador. O principal objetivo das formalidades é garantir que o testamento reflita a verdadeira intenção do testador. Se esse objetivo é alcançado, a ausência de algumas formalidades não deve invalidar o testamento.

No caso analisado, o STJ verificou que:
• O testamento foi redigido, lido e assinado em um curto período após a confecção de outro testamento, indicando que o testador estava plenamente consciente de suas decisões.
• Não houve evidência de que a falta de algumas formalidades gerou dúvidas sobre a vontade do testador.
• As testemunhas confirmaram que o testador tinha plena capacidade mental e que o conteúdo do testamento correspondia à sua vontade.

Portanto, o Tribunal concluiu que as falhas formais não comprometeram a validade do testamento, pois a vontade do testador foi claramente expressa e confirmada. Esse entendimento demonstra que o STJ valoriza a substância da vontade do testador sobre a forma, evitando que formalismos excessivos anulem a última vontade do testador quando esta está claramente estabelecida e compreendida.
STJ. 3ª Turma. REsp 1677931-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/8/2017 (Info 610).

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