Código de Processo Penal.
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
Caso Concreto didático.
Alírio estava empurrando seu carro, que apresentava problemas mecânicos, para fazê-lo funcionar “no tranco”. Policiais em patrulhamento avistaram a cena e pediram a identificação de Alírio.
Em consulta ao sistema, os policias verificaram que Alírio respondia a uma ação penal por tráfico de drogas, crime que ele teria cometido dois anos antes. Em virtude do suposto crime antecedente, resolveram realizar uma revista pessoal em Alírio e não encontraram nada de ilícito. Em seguida, decidiram revistar o carro e encontraram “pinos” de cocaína embaixo do tapete.
Os policiais agiram corretamente ao abordar e revistar Alírio e seu veículo, baseando-se apenas no fato de ele ter um processo por tráfico de drogas em andamento?
Não, os policiais não agiram corretamente. A abordagem e revista de Alírio e seu veículo foram realizadas sem fundada suspeita de que ele estivesse cometendo um crime naquele momento específico. O simples fato de ter um processo em andamento por tráfico de drogas não justifica a revista pessoal ou veicular. Conforme decidido no julgado, não havia indícios concretos que justificassem a abordagem, o que torna a prova obtida (a apreensão dos “pinos” de cocaína) ilícita. Assim, todas as provas derivadas dessa apreensão são nulas, resultando no trancamento do processo.
A circunstância de Alírio estar empurrando o caso não era um indício sequer remoto de eventual traficância.
De início, cabe destacar que a circunstância de o réu estar empurrando um veículo com problemas mecânicos para fazê-lo funcionar “no tranco”, no caso concreto dos autos, não era indício, nem mesmo remoto, de que houvesse entorpecentes no interior do automóvel, porque tal fato em absolutamente nada se relaciona com a prática do crime de tráfico de drogas. É pertinente frisar, nesse sentido, que nem sequer se cogitava de suspeita de tentativa de furto do veículo a ensejar alguma averiguação dessa conduta do réu.
O simples fato do acusado ter antecedentes não justifica a busca pessoal.
Descartado esse elemento inidôneo e irrelevante, o simples fato de o acusado ter um antecedente por tráfico (na verdade, uma ação penal ainda em andamento na ocasião, por crime supostamente praticado dois anos antes), por si só, não autorizava a busca pessoal, tampouco a veicular, porquanto desacompanhado de outros indícios concretos de que, naquele momento específico, o réu trazia drogas em suas vestes ou no automóvel.
Direito penal do autor.
Admitir a validade desse fundamento para, isoladamente, autorizar uma busca pessoal, implicaria, em última análise, permitir que todo indivíduo que um dia teve algum registro criminal na vida seja diuturnamente revistado pelas forças policiais, a ensejar, além da inadmissível prevalência do “Direito Penal do autor” sobre o “Direito Penal do fato”, uma espécie de perpetuação da pena restritiva de liberdade, por vezes até antes que ela seja imposta, como na hipótese dos autos, em que o processo existente contra o réu ainda estava em andamento.
Isso porque, mesmo depois de cumprida a sanção penal (ou até antes da condenação), todo sentenciado (ou acusado ou investigado) poderia ser eternamente detido e vasculhado, a qualquer momento, para “averiguação” da sua conformidade com o ordenamento jurídico, como se a condenação criminal (no caso, frise-se, a mera existência de ação em andamento) lhe despisse para todo o sempre da presunção de inocência e lhe impingisse uma marca indelével de suspeição.
Ilegalidade das provas obtidas.
Assim, diante da manifesta inexistência de prévia e fundada suspeita de posse de corpo de delito para a realização das buscas pessoal e veicular, conforme exigido pelo art. 244 do Código de Processo Penal, deve-se reconhecer a ilicitude da apreensão das drogas e, por consequência, de todas as provas derivadas, o que conduz ao trancamento do processo.
STJ. HC n. 774.140/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de 28/10/2022.
Aprofundando!
#Tese fixada no HC 208.240/SP: A busca pessoal independente de mandado judicial deve estar fundada em elementos indiciários objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não sendo lícita a realização da medida com base na raça, sexo, orientação sexual, cor da pele ou aparência física.
STF. HC 208.240/SP, relator Ministro Edson Fachin, julgamento finalizado em 11.04.2024 (info 1132).