Código Civil.
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.
Conceitos Necessários
1. Reprodução Assistida Heteróloga:
◦ Procedimento médico no qual gametas (espermatozoides ou óvulos) de um doador são utilizados para conceber uma criança. Isso ocorre quando um ou ambos os parceiros não podem contribuir geneticamente para a concepção.
2. Gestação por Substituição:
◦ Também conhecida como “barriga de aluguel”, é quando uma mulher (gestante substituta) carrega e dá à luz uma criança para outra pessoa ou casal que será o(s) pai(s) da criança. A gestante substituta pode ou não ter ligação genética com a criança.
3. Dupla Paternidade:
◦ Refere-se à situação em que duas pessoas são legalmente reconhecidas como pais de uma criança, independentemente do gênero, podendo incluir casais homoafetivos ou heterossexuais.
4. Adoção Unilateral:
◦ Processo pelo qual um indivíduo adota o filho biológico de seu cônjuge ou parceiro. Essa forma de adoção geralmente ocorre em famílias onde um dos pais biológicos está ausente ou não é conhecido.
Exemplo didático.
Carlos e João são um casal homoafetivo que deseja ter um filho. Eles optam pela reprodução assistida heteróloga, utilizando o esperma de Carlos e um óvulo de uma doadora anônima. Uma amiga do casal, Maria, se oferece para ser a gestante substituta. Maria engravida e dá à luz a criança, que é registrada com os nomes de Carlos e João como pais.
João e Carlos poderão ser simultaneamente pais da criança?
Sim. A reprodução assistida e a paternidade socioafetiva constituem nova base fática para incidência do preceito “ou outra origem” do art. 1.593 do Código Civil.
Os conceitos legais de parentesco e filiação exigem uma nova interpretação, atualizada à nova dinâmica social, para atendimento do princípio fundamental de preservação do melhor interesse da criança.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento RE 898.060/SC, enfrentou, em sede de repercussão geral, os efeitos da paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, permitindo implicitamente o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseada na origem biológica.
Será necessária a adoção unilateral por parte de João?
Não. A adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem a condição de filho ao adotado e à criança resultante de técnica conceptiva heteróloga; porém, enquanto na adoção haverá o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus parentes consanguíneos, na reprodução assistida heteróloga sequer será estabelecido o vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material fecundante. (Enunciado n. 111 da Primeira Jornada de Direito Civil).
A doadora do material genético, no caso, não estabeleceu qualquer vínculo com a criança, tendo expressamente renunciado ao poder familiar.
Inocorrência de hipótese de adoção, pois não se pretende o desligamento do vínculo com o pai biológico, que reconheceu a paternidade no registro civil de nascimento da criança.
Provimento 63/2017 do CNJ.
O Conselho Nacional de Justiça, mediante o Provimento n. 63, de novembro de 2017, alinhado ao precedente vinculante da Suprema Corte, estabeleceu previsões normativas que tornariam desnecessário o presente litígio.
O Provimento 63/2017 permite o reconhecimento voluntário de paternidade e maternidade socioafetiva perante o oficial de registro civil. Isso significa que, em casos de reprodução assistida ou gestação por substituição, pais socioafetivos podem ser reconhecidos e incluídos no registro de nascimento da criança sem necessidade de processo judicial.
Também prevê a inclusão de filhos concebidos por técnicas de reprodução assistida, tanto para casais homoafetivos quanto heteroafetivos, garantindo que esses registros sejam realizados de maneira uniforme em todo o território nacional.
STJ. REsp n. 1.608.005/SC, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 14/5/2019, DJe de 21/5/2019 (Info 649).