Direito real de habitação.
O direito real de habitação é um instituto jurídico previsto no art. 1.831 do Código Civil brasileiro, que garante ao cônjuge ou companheiro sobrevivente o direito de continuar residindo no imóvel que servia de moradia ao casal, após o falecimento do outro cônjuge ou companheiro. Esse direito é vitalício, ou seja, perdura enquanto o beneficiário estiver vivo, e é inalienável, não podendo ser transferido a terceiros. O direito real de habitação se aplica apenas ao imóvel que servia como residência familiar e não a outros imóveis que possam fazer parte do patrimônio do falecido.

A finalidade é proteger o cônjuge ou companheiro sobrevivente, garantindo-lhe um local para morar, independentemente de ter ou não herdado parte do imóvel. Portanto, o beneficiário não precisa pagar aluguel pelo uso do imóvel, pois o direito é concedido a título gratuito.

Ademais, este direito não pode ser vendido, alugado ou de qualquer forma transferido para outra pessoa e se extingue com o falecimento do beneficiário ou se ele decidir não mais residir no imóvel.

O direito real de habitação decorre da própria lei.
O direito real de habitação é ex vi legis (por força de lei), decorrente do direito sucessório. Ao contrário do direito instituído inter vivos, não necessita ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis.

O direito real de habitação prevalece ainda que haja mais de um imóvel a inventariar.
A lei não impõe como requisito para o reconhecimento do direito real de habitação a inexistência de outros bens, seja de que natureza for, no patrimônio próprio do cônjuge sobrevivente.
STJ. AgInt no REsp n. 1.554.976/RS, relator o Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 25/5/2020, DJe de 4/6/2020.

Mas e a previsão no art. 1.831 do CC de que “desde que seja o único daquela natureza a inventariar”?
A jurisprudência do STJ que é no sentido de que o direito real de habitação, assegurado ao companheiro e ao cônjuge sobrevivente, pelo art. 7º da Lei 9287/96, incide, relativamente ao imóvel em que residia o casal, ainda que haja mais de um imóvel residencial a inventariar. Perceba que tal dispositivo não traz essa exigência. Vejamos:
Código Civil.
Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
Lei nº 9287/96.
Art. 7º, Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.

O objetivo da lei é permitir que o cônjuge sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que residia ao tempo da abertura da sucessão como forma, não apenas de concretizar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e psicológico estabelecido pelos cônjuges com o imóvel em que, no transcurso de sua convivência, constituíram não somente residência, mas um lar. (REsp 1582178/RJ, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 14/09/2018).
STJ. AgInt no REsp n. 1.957.776/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 16/2/2022.

O Código Civil de 2002 revogou a Lei nº 9287/96?
Não. O Código Civil de 2002 não revogou as disposições constantes da Lei n.º 9.278/96, subsistindo a norma que confere o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente diante da omissão do Código Civil em disciplinar tal matéria em relação aos conviventes em união estável, consoante o princípio da especialidade.
STJ. AgRg no REsp n. 1.436.350/RS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 12/4/2016, DJe de 19/4/2016.

Possibilidade de manejo de ação possessória baseada no direito real de habitação.
Por isso, mesmo que a companheira sobrevivente não tenha buscado o reconhecimento da união estável em ação própria, poderá invocar o direito real de habitação como matéria de defesa em ação possessória.
STJ. 4ª Turma. REsp 1203144-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/5/2014 (Info 543).

Situação do direito real de habitação no caso do cônjuge sobrevivente constituir nova família.
O Código Civil de 1916 previa que o direito real de habitação seria extinto caso o cônjuge sobrevivente deixasse de ser viúvo, ou seja, caso se casasse ou iniciasse uma união estável (art. 1.611, §2º). Como o CC-2002 não repetiu essa regra, entende-se que houve um silêncio eloquente e que não mais existe causa de extinção do direito real de habitação em caso de novo casamento ou união estável. STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.636-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/08/2019 (Info 655).

Qual o critério para definir a legislação adotada?
O do momento da abertura da sucessão.
Se a morte do cônjuge acontecer após o CC/2002. Aplica-se o CC/2002.
Se a morte do cônjuge acontecer antes o CC/2002. Aplica-se o CC/1916.

Portanto, a época do casamento é indiferente para esse efeito.

Jurisprudência em teses STJ, Ed. 133:
11) O direito real de habitação pode ser exercido tanto pelo cônjuge como pelo companheiro supérstites.

No mesmo sentido:
O cônjuge ou companheiro sobrevivente possui direito real de habitação mesmo que seja proprietário de outros bens. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1582178-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/09/2018 (Info 633).

A companheira sobrevivente faz jus ao direito real de habitação (art. 1.831 do CC) sobre o imóvel no qual convivia com o companheiro falecido, ainda que tenha adquirido outro imóvel residencial com o dinheiro recebido do seguro de vida do de cujus. Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 1249227-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013 (Info 533).

Caso concreto adaptado.
Maria e João eram casados e moravam em um apartamento que João havia comprado junto com seu irmão, Carlos, antes de se casar com Maria. João e Carlos eram coproprietários do imóvel, cada um com 50% de participação. Após o falecimento de João, Maria continuou residindo no apartamento e alegou ter direito real de habitação sobre o imóvel, uma vez que era sua residência familiar.

Maria tem direito ao reconhecimento do direito real de habitação sobre o apartamento?
Não. A copropriedade de bem imóvel com terceiros, anterior à abertura da sucessão, impede o reconhecimento do direito real de habitação ao cônjuge/companheiro sobrevivente.

Vejamos como o STJ decidiu em uma situação semelhante:
A Segunda Seção do STJ assentou que “a copropriedade anterior à abertura da sucessão impede o reconhecimento do direito real de habitação, visto que de titularidade comum a terceiros estranhos à relação sucessória que ampararia o pretendido direito” (EREsp n. 1.520.294/SP, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 26/8/2020, DJe de 2/9/2020).

Para permanecer no imóvel, Maria precisará pagar aluguel a Carlos?
Sim. Nos termos da jurisprudência desta Corte, “o coproprietário que ocupa o imóvel, de forma integral e exclusiva, deve pagar aluguel aos demais condôminos, na proporção de sua quota.

Assim, se apenas um dos condôminos reside no imóvel, abre-se a via da indenização, mediante o pagamento dos alugueres, àquele que se encontra privado da fruição da coisa” (AgInt no AgInt no AREsp n. 2.215.613/SP, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 9/10/2023, DJe de 16/10/2023).
STJ. AgInt no AREsp n. 1.764.758/RJ, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 27/11/2023, DJe de 1/12/2023.

Não confundir!
Jurisprudência em Teses do STJ, Ed. 241:
Tese 5: O terceiro, estranho à relação sucessória, que mantinha copropriedade de um bem imóvel preexistente com a pessoa falecida tem direito ao recebimento de aluguel equivalente a sua fração por parte do cônjuge ou companheiro sobrevivente.

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