Exemplo didático.
Após mais de 20 anos vivendo em união estável, Antônio e Ana resolvem se casar. Como Antônio já tinha mais de 70 anos na data do casamento, impunha-se o regime da separação obrigatória de bens (destaque-se que o casamento foi anterior a fixação do tema de repercussão geral 1.236/STF).
Algum tempo depois do casamento, Antônio ganhou na loteria. Ao saber da novidade, a felicidade foi tanta que Antônio faleceu de um ataque cardíaco.
Ana será meeira do valor do prêmio?
Sim. O prêmio de loteria auferido por viúva casada sob o regime de separação legal obrigatória, antecedido de longo relacionamento em união estável, é bem adquirido por fato eventual (CC/2002, art. 1.660, II), reconhecido como patrimônio comum do casal, devendo ser partilhado segundo os valores existentes na data do falecimento, independentemente da avaliação sobre esforço comum.
No caso concreto, o regime era o da separação obrigatória.
A razão de ser da previsão legal que impõe a separação de bens ao idoso consiste na preservação de seu patrimônio em vista de casamentos realizados por exclusivo interesse financeiro. Tem-se opção legislativa objeto de severas críticas da doutrina, visto que afasta a autonomia privada e induz presunção de incapacidade do nubente sexagenário – atualmente, o septuagenário (CC/2002, art. 1.641, II) – para decidir sobre o regime de bens de seu casamento e o destino de seu patrimônio.
Bem por esse motivo que o STF decidiu pela interpretação conforme do art. 1.641, II, do CC/2002, “atribuindo-lhe o sentido de norma dispositiva, que deve prevalecer à falta de convenção das partes em sentido diverso, mas que pode ser afastada por vontade dos nubentes, dos cônjuges ou dos companheiros. Ou seja: trata-se de regime legal facultativo e não cogente” (Tema n. 1.236 da Repercussão Geral):
#Tese de Repercussão Geral – Tema 1.236-STF: Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura pública.
No caso concreto, o casamento se deu após longo relacionamento em união estável.
Consigne-se que o casamento entre o de cujus e a recorrida deu-se após longo relacionamento em união estável, não se afigurando razoável que a mera formalização do vínculo matrimonial, em momento ulterior, torne mais rigoroso o regime de bens existente entre os cônjuges – porque desnecessária a proteção de qualquer dos nubentes nesse contexto e, sobretudo, sem que tenham manifestado de forma expressa o interesse em disciplinar o regime de bens de forma diversa daquela que até então vigorava – a comunhão parcial.
Prêmio de loteria.
Conforme orientação firmada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, “o prêmio de loteria é bem comum que ingressa na comunhão do casal sob a rubrica de ‘bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior’ (CC/1916, art. 271, II; CC/2002, art. 1.660, II)” (REsp n. 1.689.152/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017), solução aplicável ao regime da separação legal de bens (CC/1916, art. 258, § único, II; CC/2002, art. 1.641, inciso II).
No entendimento do STJ, portanto, em se tratando de bem comum, porque adquirido por fato eventual, o exame sobre a participação de ambos os cônjuges para sua obtenção (esforço comum) é desnecessário.
Dessa forma, necessário reconhecer a comunhão entre os cônjuges do prêmio de loteria obtido pela recorrida, cujos recursos – e os bens com eles adquiridos – devem integrar o monte partível, à situação verificada na data em que falecido o de cujus.
STJ. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/9/2024 (info 827).
Sobre o tema!
#Tese de Repercussão Geral – Tema 1.236-STF: Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura pública.
Jurisprudência em Teses do STJ, Ed. 244:
Tese 8: A proteção matrimonial conferida à pessoa idosa não é necessária quando o casamento for precedido de longo relacionamento em união estável, que se iniciou quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens.
Ausência de imposição da separação obrigatória de bens no caso de prévia e duradoura união estável.
No Código Civil de 1916, a idade prevista para a separação obrigatória de bens era 60 anos (art. 258, p. único, II). Ainda com base naquele Código, o STJ decidiu que não havia a imposição do regime legal de separação obrigatória de bens quando os nubentes já viviam em união estável há um longo período antes do casamento, iniciado quando estes ainda não tinham a idade a que se referia o CC/1916.
A proteção matrimonial conferida ao noivo, nos termos do art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916, não se revela necessária quando o enlace for precedido de longo relacionamento em união estável, que se iniciou quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens. STJ. 4ª Turma. REsp 1318281-PE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 1/12/2016 (Info 595).