Exemplo didático.
Imagine que Pedro, um homem idoso e sem filhos, faleceu e deixou um espólio considerável. Antes de morrer, Pedro fez várias doações de bens valiosos para sua então esposa, Ana. Após o falecimento de Pedro, descobriu-se que Ana estava envolvida em um esquema fraudulento onde mantinha três casamentos simultâneos, enganando seus cônjuges para obter vantagens financeiras e até registrando seu filho por mais de uma vez, com paternidades diferentes.
Após o falecimento de Pedro, uma inventariante foi nomeada para administrar o espólio. Durante o processo de inventário, o inventariante, representando os interesses dos herdeiros e do espólio, tomou conhecimento das circunstâncias fraudulentas envolvendo as doações feitas por Pedro a Ana. A inventariante, então, decidiu pleitear a anulação dessas doações, alegando que foram realizadas sob dolo e fraude, prejudicando o espólio e os herdeiros legítimos.
A inventariante tem capacidade de representação para pleitear a anulação de doações feitas pelo falecido?
Sim. A inventariante do espólio tem capacidade de representação e, portanto, pode pleitear a anulação de doações feitas pelo falecido, nos termos do art. 12, V, do antigo CPC (art. 75, VII, do CPC de 2015).
Aplicação da teoria da actio nata em seu viés subjetivo.
A jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de que em caso de fraude à lei, em que a atitude do fraudador inviabiliza o conhecimento do dano pelo lesado, aplica-se a teoria da actio nata em seu viés subjetivo, sendo o marco inicial para a contagem do prazo prescricional a data em que o titular do direito violado obtém plena ciência da lesão e de sua dimensão.
O caso ficou conhecido como “caso da viúva negra”. Vejamos a conclusão:
Tendo a agravante mantido três casamentos simultâneos e autorizado o registro de um mesmo filho por dois pais diferentes, favorecendo repetidos enganos e falsidades, evidente que as doações realizadas pelo falecido doador se deram com fraude à lei, sendo irrelevante para o reconhecimento dessa fraude o tipo de regime de bens adotado no casamento que mantinha com ele.
STJ. AgInt no AREsp n. 802.391/RJ, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 14/9/2023.