Exemplo didático.
Maria Clara, uma criança de 1 ano de idade, foi deixada pela mãe biológica aos cuidados de um casal, João e Ana, após a genitora alegar impossibilidade de criar a filha devido a dificuldades financeiras e problemas de saúde. Sem realizar qualquer procedimento legal de adoção, João e Ana passaram a cuidar de Maria Clara como se fosse sua filha, matriculando-a na escola e provendo todos os cuidados necessários.

Posteriormente, o Conselho Tutelar recebeu denúncia de que João e Ana estariam buscando consolidar uma adoção irregular, sem respeitar os trâmites legais.

O Ministério Público ajuizou ação de acolhimento institucional alegando risco à convivência familiar regular e possível adoção irregular. A juíza responsável pelo caso determinou que Maria Clara fosse colocada em um abrigo temporário, argumentando que a medida era necessária para evitar o fortalecimento de laços afetivos com os guardiães, já que a adoção não foi formalizada.

Na análise do recurso, o Tribunal avaliou que Maria Clara vivia em um ambiente seguro e recebia os cuidados necessários. Não havia indícios de maus-tratos ou risco à sua integridade física ou psicológica. Portanto, o acolhimento institucional, embora pudesse interromper o vínculo com João e Ana, não era do melhor interesse da criança, que estava bem adaptada ao ambiente familiar.

Qual decisão está correta? A do Juiz ou a do Tribunal de Justiça?
A do Tribunal de Justiça. A colocação de menor em abrigo institucional em detrimento do acolhimento familiar ocorrerá nos casos de evidente risco concreto à sua integridade física e psíquica, respeitado o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Melhor interesse da criança.
Ocorre que, no exame de demandas envolvendo interesses de crianças e adolescentes, deve ser eleita solução da qual resulte maior conformação aos princípios norteadores do Direito Infantojuvenil, notadamente a proteção integral e o melhor interesse, derivados da prioridade absoluta apregoada pelo art. 227, caput, da Constituição Federal: “art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Sob o influxo da Lei Fundamental, a legislação que rege a matéria orienta a aplicação das medidas protetivas de menores com enfoque em seu interesse superior, amparo integral e prioritário, bem assim a predileção por alternativas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares.

Logo, não é do melhor interesse da criança e do adolescente o acolhimento temporário em abrigo institucional em detrimento do familiar, ressalvadas as hipóteses em que o abrigo institucional imediato revela-se necessário para evitar a formação de laços afetivos entre a criança e os guardiães em conjuntura de possível adoção irregular, ou ainda quando houver risco concreto à integridade física e psicológica do infante.

Inexistindo elementos que indiquem que a criança esteja exposta a risco à integridade física ou psicológica na companhia de seus cuidadores, a mera suspeita de adoção inoficiosa não é suficiente para se impor medida tão grave, que se distancia do melhor interesse do menor.
STJ. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 18/6/2024 (info extraordinário 20).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Área de Membros

Escolha a turma que deseja acessar: