Conceito de “pátrio poder” no contexto histórico e legislativo brasileiro
O conceito de “pátrio poder” remonta ao Direito Romano e influenciou vigorosamente os sistemas jurídicos ocidentais. No Brasil, sua aplicação histórica seguiu um modelo patriarcal característico de sociedades hierarquizadas e autoritárias, onde as funções relacionadas à autoridade familiar estavam concentradas exclusivamente na figura masculina – o pai.
No Direito Romano, o “pátrio poder” (ou patria potestas) era exercido pelo pater familias, que possuía autoridade completa sobre os filhos, inclusive no que tangia à gestão patrimonial, escolhas matrimoniais, e até a decisão sobre a própria vida e morte dos descendentes. Embora houvesse limites gradativos com o tempo, essa figura jurídica refletia um modelo patriarcal de família. Esse conceito foi incorporado, com adaptações, nos sistemas jurídicos europeus e, posteriormente, no Brasil colonial e imperial, mantendo a concentração de poder na pessoa do pai, enquanto a mãe ocupava papel subordinado e complementar.
O Código Civil de 1916, que vigorou até 2002, estabeleceu o “pátrio poder” como um direito-dever atribuído preferencialmente ao pai. A mãe exercia apenas uma função subsidiária, ficando responsável pelos filhos nos casos de ausência, incapacidade ou morte do pai. O artigo 380 do Código Civil de 1916 reforçava a centralidade masculina, sendo inequívoco ao descrever o “pátrio poder” como um reflexo da liderança do pai na organização familiar: “Os filhos legítimos estão sujeitos ao pátrio poder, enquanto menores.”
Esse modelo hierárquico, entretanto, foi gradativamente sendo questionado pelas transformações sociais e pela evolução dos direitos das mulheres, que começaram a conquistar igualdade jurídica em diversas esferas, especialmente durante o século XX.
A mudança promovida pela Constituição Federal de 1988: igualdade entre os cônjuges e o nascimento do “poder familiar”
Com a promulgação da Constituição de 1988, houve uma ruptura com o modelo baseado no patriarcalismo do Direito Romano e no Código Civil de 1916. O texto constitucional trouxe consigo princípios fundamentais que reafirmaram o compromisso com a igualdade de gênero (artigo 5º, inciso I) e com a proteção integral da criança (artigo 227). Esses dispositivos mudaram a estrutura jurídica e simbólica da autoridade parental na família.
O artigo 226 da CF/88 estabelece a família como “base da sociedade”, garantindo-lhe especial proteção do Estado. Em seu §5º, afirma-se que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Essa igualdade conjugal foi decisiva para acabar com a hierarquia entre pai e mãe no exercício das funções parentais.
O artigo 227 também reforçou a prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente, determinando que sua proteção, desenvolvimento e convivência familiar são responsabilidades compartilhadas entre os membros da família, inclusive de forma igual entre os genitores. O foco passa a ser o bem-estar da criança, não mais a figura de autoridade predominante, como no “pátrio poder”.
Embora a mudança de espírito já estivesse estabelecida pela Constituição de 1988, foi no Código Civil de 2002 que o termo “pátrio poder” foi formalmente substituído por “poder familiar”. O artigo 1631 do Código Civil enfatizou que o poder familiar deve ser exercido igualmente por pai e mãe: “Durante o casamento e a união estável, compete o exercício do poder familiar aos pais, em igualdade de condições.”
Lei nº 12.010/2009: readequação da nomenclatura e o fortalecimento da igualdade parental.
A Lei nº 12.010, de 2009, também conhecida como a Lei Nacional de Adoção, trouxe alterações importantes no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em outras legislações correlatas. Além de avançar em relação à colocação de crianças em famílias substitutas, ela realizou modificações terminológicas importantes no campo do Direito de Família.
A lei determinou a substituição do termo “pátrio poder” por “poder familiar” nas leis brasileiras. Essa mudança de nomenclatura possui uma profunda carga simbólica, pois reflete o abandono de uma visão patriarcal da autoridade parental e reafirma a corresponsabilidade e a igualdade entre os genitores.
Antes de 2009, o termo “pátrio poder” ainda aparecia em algumas legislações infraconstitucionais, o que gerava inconsistências. A Lei nº 12.010 foi necessária para consolidar definitivamente o uso do termo “poder familiar” em todas as esferas do direito brasileiro, deixando clara a natureza compartilhada e equilibrada desse vínculo.