Controvérsia.
A controvérsia trata da interpretação do artigo 78 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e discute a quem se aplica a obrigação de garantir que revistas de conteúdo pornográfico sejam comercializadas de forma adequada — ou seja, em embalagens opacas, lacradas e com advertência sobre o conteúdo. A principal questão analisada no julgamento é se essa obrigação se limita aos editores e comerciantes ou se também se estende a outros agentes da cadeia de consumo, como transportadores e distribuidores.
Contextualização da Controvérsia.
O artigo 78 do ECA estabelece que as publicações com material inadequado para crianças e adolescentes devem ser vendidas lacradas, com capa opaca e aviso de conteúdo impróprio. Já o artigo 257 do ECA prevê penalidades para quem descumprir essa regra.
A dúvida principal é se a responsabilidade pelo cumprimento dessa norma é exclusiva dos editores (que produzem o material) e dos comerciantes (que vendem diretamente ao público), ou se essa obrigação inclui também os distribuidores e transportadoras, que fazem a logística de entrega dessas publicações.
As transportadoras argumentavam que não deveriam ser responsabilizadas, já que sua função é meramente logística, sem contato direto com o consumidor final. O entendimento que elas defendiam era uma interpretação literal da lei, ou seja, restringindo o papel das transportadoras à entrega, sem responsabilidade pelo cumprimento dessas normas.
Posicionamento do Tribunal: Um Dever Abrangente.
O Tribunal, contudo, adotou uma interpretação ampla e finalística do Estatuto, isto é, buscou entender o propósito da norma e garantir sua efetividade.
Proteção Integral: O ECA deve ser interpretado de forma a assegurar a proteção psicológica e moral da criança e do adolescente. Isso significa que qualquer medida de restrição ao acesso de menores a conteúdo pornográfico deve ser efetiva e aplicada de forma abrangente.
Interpretação Não Literal: O Tribunal destacou que nenhuma norma deve ser interpretada de maneira puramente literal, pois isso poderia esvaziar seu objetivo social. Se apenas editores e comerciantes diretos fossem obrigados a cumprir a norma, poderia haver brechas que permitiriam a circulação inadequada desses materiais.
Todos na Cadeia de Consumo São Responsáveis: Segundo o Tribunal, o dever de garantir o cumprimento do artigo 78 do ECA se estende a todas as partes da cadeia de consumo, incluindo transportadoras e distribuidores. Isso se justifica porque uma aplicação restritiva da norma poderia permitir que esses materiais chegassem ao comércio sem as devidas medidas de proteção.
Efetividade da Norma: A decisão traz um raciocínio importante: se permitir que um agente da cadeia de consumo ignore a norma, toda a proteção que ela busca oferecer pode ser comprometida. Assim, exigir que apenas o comerciante se responsabilize pelo lacre e pela advertência poderia enfraquecer a norma, já que revistas poderiam chegar sem as devidas embalagens ao destinatário final.
Conclusão.
Na decisão, o STJ reafirma que normas protetivas não devem ser interpretadas de maneira restritiva ou flexível a favor de quem pode descumpri-las. A decisão foi clara ao sustentar que o dever de garantir a comercialização adequada de revistas pornográficas não recai apenas sobre editores e comerciantes, mas sobre todos os agentes da cadeia de distribuição e transporte.
Assim, transportadoras e distribuidores também são responsáveis por garantir que as revistas cheguem aos pontos de venda em conformidade com as exigências do artigo 78 do ECA, sob pena de sanções.
Destaque do julgado:
O dever previsto no art. 78 do ECA se estende a todos os integrantes da cadeia de consumo.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.584.134-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/02/2020 (Info 666).