Exemplo didático.
João namorava Ana quando ela engravidou. Ele acreditava que era o pai biológico da criança e, por isso, no nascimento, registrou o filho Lucas como seu. Durante anos, João criou Lucas com carinho, cuidando dele e exercendo o papel de pai.
Dez anos depois, João e Ana terminaram o relacionamento. João começou a desconfiar sobre a paternidade de Lucas por causa de alguns comentários de conhecidos e resolveu fazer um exame de DNA. O teste confirmou que ele não era o pai biológico do menino.
Sentindo-se enganado, João propôs com uma ação negatória de paternidade para anular o registro de nascimento, alegando que não queria mais ser considerado pai de Lucas. Ocorre que João permaneceu mantendo contato com Lucas, sendo evidente o forte vínculo afetivo com a criança.
Será possível desconstituir a paternidade no caso concreto?
Não. Para que a ação negatória de paternidade seja julgada procedente não basta apenas que o DNA prove que o “pai registral” não é o “pai biológico”. É necessário também que fique provado que o “pai registral” nunca foi um “pai socioafetivo”, ou seja, que nunca foi construída uma relação socioafetiva entre pai e filho.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.059.214-RS, Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/2/2012.
Quando a paternidade poderá ser desconstituída?
Com base na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João não poderia simplesmente anular o registro apenas porque o exame de DNA demonstrou que ele não é o pai biológico de Lucas. Para que sua ação tenha sucesso, ele precisaria demonstrar dois requisitos essenciais:
Tese do Erro ou Coação: João precisaria provar que, ao registrar Lucas como seu filho, ele foi induzido a erro, ou seja, acreditava sinceramente que era o pai biológico e não suspeitava de outra possibilidade. Se ficasse comprovado que Ana omitiu intencionalmente informações ou que João foi coagido a registrar a criança, isso poderia fortalecer sua posição.
Inexistência de Vínculo Socioafetivo: João teria que provar que nunca construiu uma relação de afeto e vínculo parental com Lucas. Para isso, teria que demonstrar que nunca exerceu o papel de figura paterna, ou que a relação entre os dois era apenas formal, sem laços afetivos reais.
Se João falhar em demonstrar qualquer um desses dois requisitos — por exemplo, se Lucas considerar João como figura paterna e depender emocionalmente dele — a Justiça pode negar o pedido de anulação, com base na proteção da paternidade socioafetiva. O STJ tem entendido que essa relação afetiva pode ser tão ou mais importante do que a biológica.
Assim, o STJ consolidou orientação no sentido de que para ser possível a anulação do registro de nascimento, é imprescindível a presença de dois requisitos, a saber:
Prova robusta no sentido de que o pai foi de fato induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto e
Inexistência de relação socioafetiva entre pai e filho.
STJ. REsp 1.829.093-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, por unanimidade, julgado 01/06/2021 (info 699).
Jurisprudência em Teses do STJ, Ed. 226:
Tese 5: É possível a desconstituição de registro civil quando a paternidade registral, em desacordo com a verdade biológica, é efetuada e declarada por indivíduo que acreditava ser o pai biológico e quando inexiste relação socioafetiva entre pai e filho.
Jurisprudência em Teses do STJ, Ed. 253:
Tese 6: É possível a desconstituição de registro civil quando a paternidade registral, em desacordo com a verdade biológica, é efetuada e declarada por indivíduo que acreditava ser o pai biológico e quando inexiste relação socioafetiva entre pai e filho.