Caso concreto adaptado.
Em um determinado processo judicial foi proferida uma sentença condenando Pedro a pagar uma determinada quantia. Tal sentença transitou em julgado e o autor requereu o início da fase de cumprimento de sentença, oportunidade em que Pedro foi intimado a pagar o valor de R$100.000,00.
Ao receber a intimação para pagar o valor, Pedro tomou conhecimento do processo. Analisando os autos, percebeu erros crassos na referida sentença. Em primeiro lugar, sequer havia sido proferido o despacho citatório. Na verdade, tudo levava a crer que por um equívoco a sentença de um outro processo foi juntada aos autos, apenas trocando os dados pessoais e processuais.
Imediatamente, Pedro peticionou requerendo que o juiz reconsiderasse a sentença prolatada. Além disso, propôs ação rescisória, oportunidade em que depositou em juízo o valor de R$ 5.000,00 (5% do valor da causa), nos termos do art. 968, II do CPC.
Ao perceber o erro, o juiz de primeiro grau se retratou da sentença anulando-a e determinando a citação de Pedro para apresentar contestação. Em virtude da decisão de primeiro grau, a ação rescisória perdeu o objeto e foi extinta.
Pedro poderá reaver os R$ 5.000,00 depositados ou tal valor será perdido em benefício do demandado na ação rescisória?
Pedro poderá reaver os R$ 5.000,00 depositados.
Em regra, quando a ação rescisória é extinta sem resolução de mérito, o depósito realizado é perdido em valor da parte demandada.
Sob a égide do CPC/2015, esta Corte Superior manteve o entendimento no sentido de que o depósito prévio deve ser revertido em favor do réu quando a ação rescisória é extinta sem julgamento de mérito, nos termos do art. 974, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
Especificidade do caso concreto: a ação rescisória perdeu o objeto tendo em vista que o juiz se retratou da sentença.
No entanto, na espécie, a ação rescisória foi extinta sem resolução de mérito em razão da perda superveniente do objeto motivada pela retratação do juiz, em fase de cumprimento de sentença, acerca da sentença que se pretendia rescindir. Com o exercício do juízo de retratação, a ação rescisória perdeu o seu objeto.
No caso concreto, o valor de ser restituído ao autor da ação rescisória.
Nesse contexto, se a finalidade da reversão do depósito prévio em favor do réu é evitar a abuso no exercício do direito de ação, não é possível, a partir da interpretação teleológica do art. 974 do CPC/2015, admitir a referida reversão na específica hipótese em que a extinção sem julgamento de mérito da ação rescisória não é imputável ao autor, mas sim fruto do juízo de retratação exercido pelo próprio magistrado.
Assim, embora a extinção da ação rescisória sem resolução de mérito conduza, em regra, à reversão do depósito prévio a favor do réu, no caso específico em que a referida extinção é motivada pela perda superveniente do objeto em razão de retratação da sentença que se objetivava rescindir, deve ser afastada a reversão, permitindo-se ao autor levantar a quantia depositada.
Ademais, se a extinção do processo que se instaurou com observância de todas as condições da ação não se deu por fato imputável às partes, não deve ser imposto a qualquer delas o dever de arcar com os ônus sucumbenciais.
STJ. REsp 2.137.256-MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/8/2024 (info 821).