Incidente de resolução de demandas repetitivas.
O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) introduziu em nosso sistema processual o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR (arts. 976 ao 987), técnica de julgamento de processos que envolvam casos repetitivos (art. 928) que tratem da mesma questão de direito, essencialmente voltada para os Tribunais locais (Tribunal de Justiça e Tribunal Regional Federal), com o claro objetivo de proporcionar isonomia e segurança jurídica e atacar a repetição de demandas idênticas, problema crônico do sistema judicial brasileiro.
A instauração do IRDR é cabível quando houver, simultaneamente, efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (art. 976). O pedido de instauração do IRDR será dirigido ao presidente do tribunal pelo juiz ou relator (por ofício), pelas partes (por petição), pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública (por petição), nos termos do art. 977 e incisos, do CPC.
O IRDR apresenta uma técnica diferenciada de julgamento: Há dois momentos distintos – fixação da tese e aplicação da tese em casos concretos. Só cabe RESP em face da decisão que aplica a tese no caso concreto.
O IRDR também apresenta uma técnica diferenciada de julgamento, pois gera uma espécie de cisão do julgamento pelo órgão colegiado responsável (parágrafo único do art. 978 do CPC), ao estabelecer: “O órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.”
Em resumo, o órgão julgador que julgar o IRDR será competente para, além de fixar a tese jurídica em abstrato, julgar o caso concreto contido no recurso, remessa necessária ou o processo de competência originária que originou o referido incidente. Por outro lado, após o julgamento do referido incidente, a tese jurídica fixada será aplicada aos demais processos que tratam da idêntica questão de direito (art. 985 do CPC).
Importante ressaltar que a revisão da tese jurídica do IRDR será realizada pelo mesmo Tribunal que a fixou, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público ou da Defensoria Pública (art. 986 do CPC).
Recurso especial repetitivo em face de decisão proferida com base em tese fixada em IRDR.
O § 1º do art. 987 do CPC estabelece que o recurso “tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida” e o art. 256-H do RISTJ determina que os “recursos especiais interpostos em julgamento de mérito do incidente de resolução de demandas repetitivas serão processados como recursos especiais repetitivos”.
Em outras palavras, o recurso especial ou o recurso extraordinário “presumem” a existência da necessidade de julgamento na sistemática dos recursos especiais repetitivos e da repercussão geral, o que tem sido objeto de fundadas críticas da doutrina.
Por outro lado, o § 2º do art. 987 dispõe que apreciado o “mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito”. O dispositivo estabelece que o julgamento do mérito do recurso especial repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça ou do recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, ambos interpostos contra o acórdão que julga o mérito do IRDR, formam efetivo precedente obrigatório a ser observado por juízes e Tribunais, sob a ótica do sistema brasileiro de precedentes.
Não cabe recurso especial contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem que fixa tese jurídica em abstrato em julgamento do IRDR, por ausência do requisito constitucional de cabimento de “causa decidida”, mas apenas naquele que aplique a tese fixada, que resolve a lide, desde que observados os demais requisitos constitucionais do art. 105, III, da Constituição Federal e dos dispositivos do Código de Processo Civil que regem o tema.
É incontroverso nos autos que o acórdão foi proferido em pedido de revisão de tese fixada em IRDR e não em hipótese de aplicação da tese jurídica em recurso, em remessa necessária ou em processo de competência originária, nos termos do art. 978, parágrafo único, do CPC/2015. Em outros termos, no acórdão proferido, o TJDFT apenas analisou a revisão da tese jurídica em abstrato, pedido que foi julgado improvido, sendo mantidas as teses fixadas no julgamento do IRDR revisado.
Na hipótese, a controvérsia é exatamente o cabimento de recurso especial repetitivo em acórdão fundado em pedido de revisão de tese em IRDR que nega o pedido formulado pela Defensoria Pública, onde sequer existe parte contrária e, consequentemente, qualquer espécie de contraditório, seja no Tribunal de origem, tampouco no âmbito desta Corte Superior, além de desconsiderar a necessidade de representatividade adequada para a formação do precedente obrigatório.
Além disso, inexiste um caso concreto específico, individualizado, que possa ser analisado em seus aspectos fáticos e jurídicos necessários ao julgamento, considerações que violariam a essência da formação de um precedente obrigatório na breve “tradição jurídica brasileira” na teoria dos precedentes judiciais.
Causas decididas.
A tese jurídica fixada em tese ou abstrato no julgamento do IRDR, ainda que no âmbito da interpretação de norma infraconstitucional federal, não pode ser considerada como causa decidida, o que somente ocorreria com a aplicação da referida tese jurídica ao caso selecionado para o julgamento ou na aplicação nas causas em andamento/sobrestadas (caso concreto) que versem sobre o tema repetitivo julgado no referido incidente. STJ. REsp 1.798.374-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 18/05/2022 (info 737).