Caso concreto.
Suponha uma empresa de venda de eletrônicos “TechBrasil”. Ela enfrenta um processo de execução fiscal por dívidas tributárias. Em audiência, os sócios acordam com a Justiça que irão pagar a dívida de forma parcelada, usando uma parte do faturamento bruto da empresa. O sócio-administrador, João, é nomeado como depositário fiel. Ele deverá transferir todo mês uma porcentagem do faturamento para uma conta judicial.

No entanto, João não cumpre o acordo e não faz as transferências. Ele então é condenado pelo crime de apropriação indébita.

João, o sócio-administrador, cometeu o crime de apropriação indébita?
Não. Não comete o crime de apropriação indébita (CP/1940, art. 168, § 1º, II), pois ausente a elementar “coisa alheia”, o sócio-administrador, nomeado depositário judicial, que deixa de transferir o montante penhorado do faturamento da empresa para a conta judicial determinada pelo juízo da execução.

O fato praticado é atípico.
Contudo, a conduta do paciente é atípica, visto tratar-se de apoderamento de coisa própria. Isso porque, ainda que a empresa seja de responsabilidade limitada, a determinação judicial, na penhora de faturamento, é dirigida ao depositário para que reserve valores de que já tem a propriedade e disponibilidade e, em momento seguinte, transfira o montante penhorado para a conta judicial específica.

Ademais, ainda que atue como auxiliar da justiça para assegurar a efetivação da execução, o fiel depositário, em respeito ao princípio da legalidade, só pode ser condenado na esfera penal se praticar um fato previamente definido como crime.
Com base nesses entendimentos, a Segunda Turma, por maioria, rejeitou a preliminar formulada no sentido de afetar o julgamento do feito ao Plenário e, no mérito, também por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus para absolver o paciente, por ausência de conduta típica.

Em resumo…
Não comete o crime de apropriação indébita (CP/1940, art. 168, § 1º, II), pois ausente a elementar “coisa alheia”, o sócio-administrador, nomeado depositário judicial, que deixa de transferir o montante penhorado do faturamento da empresa para a conta judicial determinada pelo juízo da execução.
STF. HC 215.102/PR, relator Ministro Dias Toffoli, redator do acordão Ministro Nunes Marques, julgamento finalizado em 17.10.2023 (info 1113).

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