Princípio da indivisibilidade da ação penal privada.
O princípio da indivisibilidade da ação penal privada destina-se a evitar o uso do Poder Judiciário para propósitos de vingança privada. Pelo princípio, a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade. Por outro lado, a renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá.
Da mesma forma, o perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, sem que produza, todavia, efeito em relação ao que o recusar.
Exemplo didático.
Ana é uma pessoa muito ativa nas redes sociais, sendo seguida por milhões de usuários. Determinado dia, Ana passou a ser difamada nas redes sociais, em publicações diversas (oriundas de diversas fontes).
Dentre as diversas publicações com intuito difamatório, se destacou uma live transmitida por Antônio, acompanhada por milhares de pessoas e posteriormente distribuída de forma ampla nas redes sociais em posts virais.
Ana, então, apresentou queixa-crime contra Antônio. Este, por sua vez, defendeu afirmando que o fato de Ana não ter apresentado queixa contra todos os autores de posts semelhantes torna inviável a ação proposta, tendo em vista que a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos (art. 48 do CPP). Ademais, sendo afirma, a renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá (art. 49 do CPP).
A tese de Antônio encontra respaldo jurisprudencial?
Não. Não configurada coautoria ou participação nos crimes contra honra, mas delitos autônomos em contextos distintos, a ausência de oferecimento de queixa-crime contra todos os que proferiram ofensas contra a vítima não afronta o princípio da indivisibilidade da ação penal privada.
No caso, não houve coautoria/participação, mas sim delitos autônomos.
No entanto, a definição dos contextos dos delitos contra a honra é decisiva para a distinção entre autoria colateral e coautoria/participação, essas últimas as únicas hipóteses jurídicas sujeitas ao princípio da indivisibilidade, gizado no artigo 49 do CPP, sendo inaplicável quando se trata de delitos autônomos em contextos distintos.
No caso, as ofensas supostamente proferidas pelo querelado durante uma live não configuram coautoria com terceiros que, em situações independentes, possam ter manifestado opiniões semelhantes em outras ocasiões. Não há se falar em renúncia tácita pela querelante quanto ao exercício do direito de queixa em relação a outros indivíduos desconhecidos ou precariamente identificados.
Não seria razoável exigir-se da querelante a investigação de centenas de pessoas, sob pena de, não o fazendo no prazo decadencial de seis meses, ver tolhido seu direito de propor a ação penal contra o querelado, que a ela se apresentava como o protagonista da campanha difamatória em específico.
Desse modo, à luz da deontologia do princípio da indivisibilidade e à mingua de evidências do uso seletivo da ação penal, a omissão da querelante quanto ao oferecimento de queixa-crime contra outros tantos possíveis autores de ofensas contra a sua honra, em contextos diversos, não pode impedi-la de exercitar a pretensão punitiva especificamente contra o querelado.
STJ. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Rel. para acórdão Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por maioria, julgado em 27/8/2024, DJe 3/9/2024 (info 826).