Caso concreto.
Trata-se de ação no contexto do assalto ao Banco Central em Fortaleza, ocorrido em agosto de 2015. No caso concreto, uma das rés foi absolvida, tendo em vista que, à época dos fatos, não havia no ordenamento jurídico a definição do crime de organização criminosa, de modo que a inexistência de referido tipo penal como crime antecedente tornou atípica a conduta praticada.
Posteriormente, a ré inocentada impetrou mandado de segurança, cuja ordem foi concedida pela Corte Regional para determinar a liberação dos valores arrecadados pela alienação dos bens apreendidos durante a investigação.
O Banco Central do Brasil (Bacen) e a União, entretanto, recorreram da decisão por afirmarem que houve ofensa ao devido processo legal decorrente destes não terem integrado a ação, sendo hipótese de litisconsórcio necessário.
O que foi decidido?
O pedido de intervenção do Bacen foi atendido. A observância do devido processo legal no presente feito perpassa pelo atendimento do art. 24 da Lei n. 12.016/2009, materializando-se com a formação do litisconsórcio passivo necessário (antigo art. 47 do CPC/1973 e atual 115 do CPC/2015), assegurando ao Banco Central o exercício do contraditório na defesa dos seus interesses no bojo do pedido de restituição de valores arrecadados com a alienação antecipada de bens adquiridos com produto do furto milionário do qual figura como vítima.
Já o pedido da União não foi atendido. Vejamos: “Sem razão ao agravante quanto à participação da União, tendo em vista a ausência de interesse de agir do referido ente federativo no feito mandamental, cujos bens, interesses ou serviços não foram afetados”.
Crescente importância do papel da vítima no processo penal.
As garantias constitucionais do devido processo legal, do exercício do contraditório e da ampla defesa, sob o prisma da defesa, também deve ser considerada sob a perspectiva do ofendido/vítima, tendo em vista o inafastável interesse no resultado advindo do processo instaurado.
Nesta perspectiva, a vítima participa ativamente ao ser ouvida, ao apresentar elementos de prova ou sugerir diligências, bem como ao atuar em favor da reparação dos danos sofridos em decorrência da conduta criminosa.
Nessa linha, as alterações do Código de Processo Penal, expressaram a crescente intenção do legislador de confiar papel relevante ao ofendido seja na fase inquisitorial, seja na fase acusatória da persecução penal.
Intervenção de terceiros em mandados de segurança e habeas corpus.
Noutro viés, a jurisprudência do STJ e do STF, em regra, não admitia intervenção de terceiros em ação de mandado de segurança, assim como em habeas corpus. Contudo, ao longo dos anos, o entendimento desta Corte e do Supremo Tribunal Federal passou a flexibilizar a intervenção de terceiros em sede de habeas corpus, para permitir a participação do querelante no julgamento do writ.
Dessarte, se na hipótese de utilização da ação de habeas corpus, na qual se tutela o direito constitucional de locomoção, a jurisprudência excepcionalmente tem admitido a possibilidade de intervenção, a mesma compreensão pode ser aplicada ao mandado de segurança, uma vez que o direito a ser discutido se refere à tutela dos interesses legítimos da vítima, no caso, a reparação de danos.
No caso concreto, permitiu-se que a vítima (Banco Central) participasse do mandado de segurança impetrado pelo réu.
Na situação em análise, a ação constitucional na origem, ao impugnar decisão que indeferiu restituição de valores oriundo de furto milionário, ensejou a ampliação do direito de participação da vítima (Banco Central) no feito mandamental cujo propósito afeta seus interesses legítimos de ressarcimento dos danos em decorrência do crime praticado.
Afastar a vítima da discussão que busca delimitar ou condicionar seu direito de participar ativamente nos feitos que afetam seus interesses viola exatamente o referido direito de participação.
O art. 24 da Lei do Mandado de Segurança autoriza o litisconsórcio.
Ademais, diversamente do que ocorre com o habeas corpus, no mandado de segurança existe norma autorizativa de intervenção de terceiros, devendo ser afirmado, por isso, a sua admissibilidade.
Nessa esteira, a observância do devido processo legal perpassa pelo atendimento do art. 24 da Lei n. 12.016/2009, materializando-se com a formação do litisconsórcio passivo necessário (art. 47 do CPC/1973 e art. 114 do CPC/2015), assegurando ao Banco Central o exercício do contraditório na defesa dos seus interesses no bojo do pedido de restituição de valores arrecadados com a alienação antecipada de bens adquiridos com produto do furto milionário do qual figura como vítima.
Código de Processo Civil de 1973.
Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.
Código de Processo Civil de 2015.
Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.
Em um ordenamento jurídico que, proclama e fomenta a atuação do ofendido na persecução penal, não se mostra adequado obstar a sua habilitação em mandamus cujo propósito afeta esfera de interesses da vítima, de modo que é imperativa a formação do litisconsórcio passivo necessário, sob pena de nulidade.
STJ. AREsp 1.700.368-CE, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 18/6/2024, DJe 21/6/2024 (info 817).