Estado de coisas inconstitucional.
O termo “estado de coisas inconstitucional” refere-se a uma situação jurídica reconhecida pela Suprema Corte de um país, em que um conjunto complexo de violações graves e sistêmicas a direitos fundamentais ocorre, e estas violações têm sua origem em uma incapacidade ou falha estrutural do Estado em cumprir com suas obrigações constitucionais. Esse conceito foi amplamente discutido e adotado pela Corte Constitucional da Colômbia e posteriormente por outros países, incluindo o Brasil.
A declaração de um “estado de coisas inconstitucional” geralmente ocorre em contextos nos quais as violações dos direitos não são incidentes isolados, mas sim problemas profundamente enraizados que exigem soluções estruturais e sistêmicas. Isso significa que medidas individuais ou isoladas são insuficientes para resolver a situação, sendo necessárias ações coordenadas de diferentes esferas e poderes do Estado.
Quando um tribunal declara um “estado de coisas inconstitucional”, ele não apenas identifica a existência de violações constitucionais sistêmicas, mas também, frequentemente, ordena ao Estado que adote medidas específicas para remediar a situação. Essas medidas podem incluir a elaboração e implementação de políticas públicas, alterações legislativas e, em alguns casos, a alocação de recursos financeiros específicos.
Estado de coisas inconstitucional no Brasil.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu a ocorrência de um estado de coisas inconstitucional em alguns casos. Vejamos exemplos:
• Sistema Penitenciário Brasileiro: A mais notável aplicação do conceito de “estado de coisas inconstitucional” pelo STF ocorreu no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, em 2015. O tribunal identificou uma “violação massiva de direitos fundamentais” da população carcerária do Brasil devido a condições prisionais precárias e uma falha sistemática do poder público em corrigir tal situação. Dentre as medidas cautelares concedidas, destacaram-se a liberação de recursos do Fundo Nacional Penitenciário (Funpen) sem contingenciamentos e a implementação das audiências de custódia.
• Saúde duranta a Pandemia COVID-19: Durante a pandemia de COVID-19, o Supremo Tribunal Federal (STF) enfrentou pedidos para reconhecer um estado de coisas inconstitucional relacionado à gestão da saúde pública. Em um caso notável, o ministro Marco Aurélio declarou um estado de coisas inconstitucional na condução das políticas públicas de saúde durante a pandemia, determinando a implementação de medidas específicas por entes federados, sob coordenação do Executivo, para mitigar os impactos da crise sanitária. As medidas incluíam a análise diária dos impactos da pandemia, campanhas educativas, distribuição de máscaras, e orientações para adoção de providências de bloqueio, como a comunicação à população para permanecer em casa, exceto em casos de extrema necessidade, e apoio a grupos vulneráveis.
Há estado de coisas inconstitucional na política de proteção ambiental da Amazônia e do Pantanal?
Não. Não há estado de coisas inconstitucional na política de proteção ambiental da Amazônia e do Pantanal. Contudo, para o efetivo cumprimento do direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do respectivo dever do Poder Público em defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (CF/1988, art. 225), é necessária a adoção de algumas providências.
Ainda persistem falhas estruturais.
Em que pese o processo de reconstitucionalização, decorrente de avanços e melhorias na política de combate às queimadas e desmatamento nos referidos biomas, ainda persistem algumas falhas estruturais que justificam a atuação desta Corte, a fim de que as medidas necessárias não só sejam adotadas, mas funcionem adequadamente.
Medidas a serem adotadas.
Nesse contexto, deve o Governo federal apresentar, no prazo de 90 dias:
• Um plano de prevenção e combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia que abarque medidas efetivas e concretas para controlar ou mitigar os incêndios, bem como;
• Um plano de recuperação da capacidade operacional do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PREVFOGO).
De igual modo, as ações e resultados das medidas adotadas na execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) devem ser disponibilizados publicamente em formato aberto pela União em relatórios semestrais.
Por sua vez, ao Ibama e aos Governos estaduais, por meio de suas secretarias de meio ambiente ou afins, é dada a incumbência de garantir a publicidade dos dados referentes às autorizações de supressão de vegetação.
Por fim, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Observatório do Meio Ambiente do Poder Judiciário, ficará responsável por monitorar os processos com grande impacto sobre o desmatamento, em conjunto com este Tribunal.
Fundo Social previsto no art. 47 da Lei nº 12.351/2010.
O Fundo Social (FS) previsto na Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, é uma estrutura criada no âmbito da política de exploração e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha de produção em áreas do pré-sal e em áreas estratégicas. O objetivo do Fundo Social é promover o desenvolvimento social e regional, combater a pobreza, e financiar projetos e programas nas áreas de educação, cultura, esporte, saúde pública, meio ambiente, ciência e tecnologia, mitigação das mudanças climáticas, e inovação tecnológica.
A lei estabelece que uma parte significativa das receitas obtidas pelo governo com a exploração dos recursos naturais do pré-sal seja destinada a esse fundo, visando a garantir uma distribuição de benefícios econômicos e sociais mais ampla e equitativa para a sociedade brasileira. Isso inclui parcelas dos royalties, bônus de assinatura e a participação especial decorrentes da produção de petróleo e gás natural nessas áreas.
O Fundo Social é um instrumento importante para assegurar que a riqueza gerada pelo pré-sal contribua de maneira efetiva para o desenvolvimento sustentável do país e para a melhoria das condições de vida da população, especialmente em áreas críticas para o progresso social e econômico.
Lei nº 12.351/2010.
Art. 47. É criado o Fundo Social – FS, de natureza contábil e financeira, vinculado à Presidência da República, com a finalidade de constituir fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, na forma de programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento :
I. da educação;
II. da cultura;
III. do esporte;
IV. da saúde pública;
V. da ciência e tecnologia;
VI. do meio ambiente; e
VII. de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
§ 1º Os programas e projetos de que trata o caput observarão o plano plurianual – PPA, a lei de diretrizes orçamentárias – LDO e as respectivas dotações consignadas na lei orçamentária anual – LOA.
§ 2º (VETADO)
§ 3º Do total do resultado a que se refere o caput do art. 51 auferido pelo FS, cinquenta por cento deve ser aplicado obrigatoriamente em programas e projetos direcionados ao desenvolvimento da educação, na forma do regulamento. (Incluído pela Medida Provisória nº 592, de 2012)
Não cabe ao STF determinar que a União regulamente o uso dos valores do Fundo Social previsto no art. 47 da Lei nº 12.351/2010 para destinar uma parcela dos valores à proteção do meio ambiente e à redução das mudanças climáticas.
Nada obstante a lei estabelecer a possibilidade de destinação de verbas para diversas áreas, a fixação de prazos e percentuais situa-se no âmbito da discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo, a partir dos projetos e programas por ele criados.
Conclusão.
Com base nesses e outros entendimentos, o Plenário, em apreciação conjunta, por maioria:
(i) não reconheceu o estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental; e
(ii) entendeu por não determinar à União a regulamentação do uso do Fundo Social previsto no art. 47 da Lei nº 12.351/2010.
Por unanimidade, julgou parcialmente procedentes as ações para fixar as providências e determinações registradas nas respectivas atas de julgamento.
STF. ADPF 743/DF, ADPF 746/DF, ADPF 857/MS, relator Ministro André Mendonça, redator do acórdão Ministro Flávio Dino, julgamento finalizado em 20.03.2024 (info 1129).