Exemplo didático.
Tobias era servidor público aposentado e beneficiário de regime próprio de previdência social. Em vida, Tobias propôs uma ação judicial cobrando valores de natureza salarial e verbas indenizatórias. Apesar da procedência da ação, o autor faleceu sem tê-los recebido.
Tobias tinha dois filhos, Ana e Carlos, ambos maiores de idade, e uma esposa, Helena, habilitada como pensionista para receber a pensão por morte.
Controvérsia.
O cerne da controvérsia reside na legitimidade para pleitear o pagamento dos valores devidos em vida a servidor público, se devem ser pagos aos pensionistas habilitados à pensão por morte e, somente na falta destes, aos sucessores/herdeiros na forma da lei civil, independente de inventário ou arrolamento.
Portanto, a controvérsia é se os valores deverão ser cobrados exclusivamente por Helena (esposa) ou se deverão ser cobrados conforme a ordem de sucessão hereditária.
Helena poderá cobrar os valores com exclusividade?
Não. Não há previsão legal que autorize o dependente habilitado à pensão por morte a se habilitar com exclusividade para suceder o servidor público falecido no curso do processo que objetiva a cobrança de valores atrasados, devendo a sucessão processual observar os legitimados dos arts. 110 e 778, § 1º, II, do CPC/2015.
Sucessão da parte falecida.
O art. 110 do Código de Processo Civil (CPC/2015) assim dispõe sobre a sucessão da parte falecida: “Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º:
PARTE GERAL – LIVRO III – DOS SUJEITOS DO PROCESSO
TÍTULO I – DAS PARTES E DOS PROCURADORES
CAPÍTULO IV – DA SUCESSÃO DAS PARTES E DOS PROCURADORES
Art. 110. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§1º e 2º.
Na fase de cumprimento de sentença, a regra acima está presente no art. 778, § 1º, II, que assim disciplina:
LIVRO II – DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
TÍTULO I – DA EXECUÇÃO EM GERAL
CAPÍTULO II – DAS PARTES
Art. 778. Pode promover a execução forçada o credor a quem a lei confere título executivo.
§1º Podem promover a execução forçada ou nela prosseguir, em sucessão ao exequente originário:
I. o Ministério Público, nos casos previstos em lei;
II. o espólio, os herdeiros ou os sucessores do credor, sempre que, por morte deste, lhes for transmitido o direito resultante do título executivo;
III. o cessionário, quando o direito resultante do título executivo lhe for transferido por ato entre vivos;
IV. o sub-rogado, nos casos de sub-rogação legal ou convencional.
A sucessão processual dar-se-á, em ordem de preferência, pelo espólio, se houver inventário aberto ou, na falta deste, pelos herdeiros ou sucessores do falecido.
Pela leitura dos dispositivos mencionados, a sucessão processual dar-se-á, em ordem de preferência, pelo espólio, se houver inventário aberto ou, na falta deste, pelos herdeiros ou sucessores do falecido. Não há previsão legal que autorize o dependente habilitado à pensão por morte a se habilitar com exclusividade para suceder o servidor público falecido no curso do processo. A regra legal é cristalina ao deferir a sucessão processual ao espólio, herdeiros ou sucessores da parte falecida.
Assim, a sucessão processual de servidor falecido deve observar os legitimados previstos nos arts. 110 e 778, § 1º, II, do CPC/2015, com o objetivo de regularizar o polo ativo da execução, viabilizando o pagamento dos valores atrasados não recebidos até o óbito e posterior extinção do processo.
E o art. 112 da Lei n. 8.213/1991?
O art. 112 da Lei n. 8.213/1991 determina que:
Lei nº 8.213/1991 – Regime Geral de Previdência Social.
Art. 112. O valor não recebido em vida pelo segurado só será pago aos seus dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta deles, aos seus sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento.
Cabe ressaltar que o disposto no art. 112 da Lei n. 8.213/1991 deve ser interpretado diante da ausência de inventário ou arrolamento, uma vez que o valor não recebido em vida pelo de cujus compõe o seu espólio devendo ser transmitido aos sucessores. Havendo inventário ou arrolamento, não há previsão legal para o pensionista ou o beneficiário de pensão por morte de servidor público falecido ter preferência em relação aos sucessores, quanto ao recebimento de valores devidos até a data do óbito do de cujus.
Ademais, o citado dispositivo aplica-se aos segurados do Regime Geral de Previdência Social, não devendo ser aplicado aos servidores públicos que possuam regimes próprios de previdência. A utilização da analogia como fonte do direito deve ocorrer nas hipóteses de lacuna normativa, não devendo o intérprete se valer da analogia para impossibilitar a incidência de determinado dispositivo, ainda que de caráter geral, como é o caso dos arts. 110 e 778, § 1º, II, do CPC/2015.
STJ. REsp 2.128.708-RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, jugado em 10/12/2024, DJEN em 13/12/2024 (info 837).
APROFUNDANDO!
#Tese Repetitiva – Tema 1.057-STJ:
I. O disposto no art. 112 da Lei nº 8.213/91, segundo o qual “o valor não recebido em vida pelo segurado só será pago aos seus dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta deles, aos seus sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento”, é aplicável aos âmbitos judicial e administrativo;
II. Os pensionistas detêm legitimidade ativa para pleitear, por direito próprio, a revisão do benefício derivado (pensão por morte) – caso não alcançada pela decadência -, fazendo jus a diferenças pecuniárias pretéritas não prescritas, decorrentes da pensão recalculada;
III. Caso não decaído o direito de revisar a renda mensal inicial do benefício originário do segurado instituidor, os pensionistas poderão postular a revisão da aposentadoria, a fim de auferirem eventuais parcelas não prescritas resultantes da readequação do benefício original, bem como os reflexos na graduação econômica da pensão por morte; e
IV. À falta de dependentes legais habilitados à pensão por morte, os sucessores (herdeiros) do segurado instituidor, definidos na lei civil, são partes legítimas para pleitear, por ação e em nome próprios, a revisão do benefício original – salvo se decaído o direito ao instituidor – e, por conseguinte, de haverem eventuais diferenças pecuniárias não prescritas, oriundas do recálculo da aposentadoria do de cujus.
STJ. 1ª Seção. REsp 1856967-ES, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 23/06/2021 (Info 702).