Caso concreto.
Os herdeiros do Tim Maia, autor da música “do Leme ao Pontal”, propuseram uma ação em face de um bar com o mesmo nome, localizado em Cotia/SP.

Há violação do direito autoral?
Não. Não há violação a direito autoral na utilização de título de obra musical “do Leme ao Pontal” de cantor já falecido como nome de estabelecimento comercial.

Controvérsia.
A controvérsia jurídica consiste em definir se há violação a direito autoral na utilização de título de obra musical de cantor já falecido como nome de estabelecimento comercial, nos termos dos arts. 7º, V, 10 e 29 da Lei n. 9.610/1998.

Propriedade intelectual.
O gênero propriedade intelectual abrange a proteção ao direito autoral (direitos de autor, direitos conexos e programas de computador), a proteção à propriedade industrial (patentes de invenção e de modelos de utilidade, marcas, desenho industrial, indicação geográfica e repressão à concorrência desleal) e a proteção sui generis (cultivares, topografia de circuito integrado e conhecimento tradicional).

Cada uma dessas categorias tem seus próprios institutos e bens jurídicos protegidos, assim como suas respectivas formas de tutela, de modo que seus conceitos e abrangência não se confundem. Na hipótese, a proteção da marca deferida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI aos recorrentes não se confunde e nem se estende à proteção dada pelo direito autoral à obra musical.

A expressão “do Leme ao Pontal” já era utilizada muito antes da música.
A expressão “do Leme ao Pontal”, muito antes de dar título à obra musical, refere-se ao trecho da área litorânea do município do Rio de Janeiro/RJ.

Os nomes e títulos, tomados isoladamente, não são objeto de proteção como direitos autorais.
Conforme dispõe a lei, os nomes e títulos, tomados isoladamente, não são objeto de proteção como direitos autorais, haja vista que a garantia se estende à integralidade da obra intelectual (no caso, a música), considerada em seu conjunto. Desse modo, o título “do Leme ao Pontal”, por si só, não é objeto de proteção intelectual (art. 8º, VI, da Lei n. 9.610/1998).

Da mesma forma, a marca mista “do Leme ao Pontal”, registrada pelos recorrentes nos termos da Lei n. 9.279/1996, não lhes confere exclusividade de uso da parte nominativa “do Leme ao Pontal”. Assim, nada impede a utilização de referida expressão para dar nome a estabelecimento comercial.
STJ. REsp 2.152.321-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 1º/10/2024 (info 828).

Não confundir com outro caso envolvendo a mesma música!
Caso concreto.
A marca de roupas Reserva, atualmente parte do grupo Azzas 2154, lançou camisetas que estampavam frases relacionadas a músicas de Tim Maia. Entre as peças, uma trazia a frase “Guaraná & Suco de Caju & Goiabada & Sobremesa”, e outra, “Você e Eu, Eu e Você”, sem que houvesse qualquer autorização dos detentores dos direitos autorais. A família do cantor propôs ação em 2012, alegando uso indevido da obra.

Há dever de indenizar?
Sim. Viola o direito do autor o uso não autorizado de suas letras musicais em estampas de camisetas, quando ultrapassam a mera referência à sua obra. O valor da indenização será fixado em liquidação de sentença, abarcando o montante total auferido ilicitamente e todos os prejuízos suportados pelo titular do direito, respeitado o limite de R$600.000,00.

Direito exclusivo do autor de utilizar, fruir e dispor de sua obra.
Em seu aspecto patrimonial, o direito autoral confere ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica, dependendo de autorização prévia e expressa do titular do direito a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como a sua reprodução parcial ou integral e sua utilização, direta ou indireta, conforme preveem os arts. 28 e 29 da Lei dos Direitos Autorais – LDA.

Argumento defensivo.
A defesa da Reserva, por sua vez, alegou que as frases utilizadas nas camisetas não configuravam cópias literais das músicas, argumentando que o uso do conectivo “e” alteraria o conteúdo original e que seria necessário um esforço de associação para identificar a ligação com as obras de Tim Maia. Portanto, não haveria plágio, mas uma espécie de paródia.

A utilização da obra intelectual, mediante sua reprodução ou representação, não configura intertextualidade, que é comum na atividade criativa, mas está sujeita a princípios que distinguem o reaproveitamento lícito do ilícito, de modo que a relação entre a criação preexistente e a nova é apenas de referência, sem que se caracterize o plágio. Um exemplo de intertextualidade lícita é a paródia, expressamente autorizada pelo art. 47 da LDA.

O argumento não prosperou.
No caso de comercialização indevida de camisetas com reprodução de obras musicais – no caso, do cantor e compositor Tim Maia – em que as estampas ultrapassam a mera referência às obras do autor, tratando-se de cópia das letras de suas músicas com o acréscimo do conectivo “&”, resta configurada a apropriação indevida da obra para exploração comercial.

Ademais, as palavras foram dispostas expressando sons, ritmo e melodia, da mesma forma em que combinadas harmoniosamente na obra do autor, o que apenas corrobora a originalidade e a criatividade empregada pelo autor na composição da obra.

Fixação do valor indenizatório.
Nesse caso, a indenização por perdas e danos por violação ao direito autoral, deve observar o duplo caráter indenizatório das ofensas, isto é, abrangendo tanto a finalidade ressarcitória como também a punitiva. Uma vez que o arbitramento da indenização por danos materiais no montante apenas do lucro auferido com a vendas das camisetas não se compatibiliza com esse duplo caráter indenizatório.

A vinculação do artista a uma determinada marca sem a devida autorização pode representar um endosso do autor a um pensamento que não se compactua com sua convicção pessoal, tornando-o praticamente um sócio da grife, mas sem o seu aval, podendo implicar uma vantagem muito maior para o infrator, como a valorização de sua marca e o incremento na venda de outros produtos.

Assim, para que haja a adequada remuneração do autor que teve seu direito preterido, considerando as consequências econômicas negativas sofridas pelo artista e os lucros indevidamente obtidos pelo infrator, a indenização por perdas e danos deve abarcar o montante total auferido ilicitamente e todos os prejuízos suportados pelo titular do direito.
STJ. REsp 2.121.497-RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 12/9/2024 (info 825).

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