Controvérsia.
A controvérsia versa acerca de impugnação ao cumprimento de sentença apresentada por município objetivando que fossem excluídas do cálculo dos valores devidos as parcelas cujos pagamentos não foram comprovados nos autos do processo de conhecimento pela parte contribuinte.
De acordo com o ente público, o acolhimento da pretensão da parte contribuinte na fase de cumprimento de sentença de restituição de parcelas do indébito que não foram devidamente comprovadas na ação de conhecimento caracterizaria a alteração do título executivo judicial em afronta à coisa julgada.
Caso Concreto Didático:
Ana pagou o IPTU de seu imóvel em Porto Alegre e, percebendo que há anos estava pagando mais que o devido, propôs uma ação judicial para recuperar o valor. Durante o processo, Ana não conseguiu apresentar todos os comprovantes de pagamento. Ao final, a ação foi julgada procedente para determinar a restituição dos valores pagos a maior.
No cumprimento de sentença, o município anexou um documento administrativo que confirmava o pagamento de todas as parcelas por Ana, inclusive aquelas não anexadas à Inicial.
No cumprimento de sentença, poderá ser determinada a restituição de todos os valores pagos a maior conforme a documentação anexada pelo município (mesmo que alguns dos comprovantes não tenham constado no processo durante a fase de conhecimento)?
Sim. Não ofende a coisa julgada o reconhecimento do direito a repetição do indébito de parcelas cujos adimplementos não foram comprovados pelo contribuinte na ação de conhecimento, mas cujo pagamento foi noticiado pelo ente público por meio de documento apresentado junto a impugnação ao cumprimento de sentença.
A decisão judicial determinou a restituição do indébito correspondente às parcelas do IPTU comprovadamente adimplidas.
No caso em discussão, foi expressamente reconhecido pelo acórdão recorrido que a condenação do ente na ação de conhecimento seria restrita à restituição do indébito correspondente às parcelas do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) comprovadamente adimplidas. Contudo, embora a parte contribuinte não tenha se desincumbido de sua obrigação de apresentar as guias comprobatórias do recolhimento do tributo, o ente público executado apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, colacionando documento emitido por agente administrativo do qual constou informação acerca dos pagamentos realizados pela parte contribuinte.
Fé pública dos documentos juntados pelo município.
Nesse sentido, observa-se que os atos administrativos são revestidos de fé pública e gozam de presunção de legalidade, legitimidade e veracidade, de modo que somente em situações excepcionais, e desde que haja prova robusta e cabal, pode-se autorizar a desconsideração das informações prestadas por agente administrativo; o que não se verifica no caso concreto, mormente quando o ente público recorrente não invoca dúvidas quanto à veracidade do documento que noticia o efetivo pagamento das parcelas postuladas pela parte recorrida e cujo direito à restituição já foi reconhecido judicialmente por sentença transitada em julgado.
Não há a necessidade de se exigir da parte contribuinte a juntada de comprovantes de pagamento para cumprimento da sentença que declarou o direito à repetição do indébito tributário.
Segundo preconizam os artigos 371, 374, 389 e 493 do CPC, o magistrado tem o poder-dever de julgar a lide com base nos elementos suficientes para nortear e instruir seu entendimento, especialmente quando os fatos estão demonstrados de forma incontroversa, e por meio de prova documental sobre a qual milita presunção legal de veracidade, qual seja, o documento emitido pelo agente público reconhecendo expressamente o pagamento da parcela do tributo indevido, instrumento que se equipara à confissão de dívida.
Dessa forma, não há a necessidade de se exigir da parte contribuinte a juntada de comprovantes de pagamento para cumprimento da sentença que declarou o direito à repetição do indébito tributário.
Ademais, o ordenamento jurídico pátrio veda o enriquecimento sem causa, sendo ele caracterizado, inclusive, quando há recebimento de quantia paga indevidamente, razão pela qual não há censura a se fazer ao acórdão recorrido no ponto em que reconheceu o direito da parte contribuinte à restituição das parcelas cuja quitação indevida é inconteste.
STJ. REsp 1.808.482-RS, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 8/10/2024 (info 829).