Caso concreto.
A Empresa X propôs uma ação em face da União questionando a incidência de determinado imposto em uma situação específica.
Em determinado momento do processo, foram opostos embargos de divergência. O recurso foi posto em pauta, e, só então, a Empresa X apresentou uma petição trazendo determinados atos normativos infralegais que contribuem para a procedência de sua demanda.
Iniciada a votação, o Ministro relator julgou a ação procedente, colacionando em sua decisão exatamente os atos normativos infralegais apresentados na referida petição.
Há violação do art. 10, do CPC na decisão?
Não. O artigo 10, do CPC traz o princípio da não surpresa, segundo o qual o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
No caso concreto, a petição sequer foi considerada.
Insta consignar que o voto-vista condutor do acordão, encontrava-se concluído anteriormente ao ingresso da petição, sendo esse fato – inclusão em pauta após término da elaboração de voto decursivo de vista dos autos – antecedente lógico da inserção do processo na pauta de julgamento disponibilizada no Diário de Justiça Eletrônico do dia anterior ao protocolo da manifestação em tela (17.08.2020), conforme se extrai do andamento processual. Desse modo, o teor da mencionada petição mostrou-se desinfluente para o desenvolvimento da tese abraçada no voto-vista condutor do acórdão embargado.
Não há vedação na fundamentação da decisão judicial pelos atos normativos infralegais não invocados pelas partes.
Inicialmente, impende assinalar que, “na linha dos precedentes desta Corte, não há ofensa ao princípio da não surpresa quando o magistrado, diante dos limites da causa de pedir, do pedido e do substrato fático delineado nos autos, realiza a tipificação jurídica da pretensão no ordenamento jurídico posto, aplicando a lei adequada à solução do conflito, ainda que as partes não a tenham invocado (iura novit curia) e independentemente de oitiva delas, até porque a lei deve ser do conhecimento de todos, não podendo ninguém se dizer surpreendido com a sua aplicação”. (AgInt no REsp 1.799.071/PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 15/8/2022).
Ainda no tocante ao conteúdo de tal princípio, este Superior Tribunal já assentou que “não possui dimensões absolutas que levem à sua aplicação automática e irrestrita […]” (AgInt no AREsp 1.778.081/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/2/2022).
É firme a compreensão desta Corte segundo a qual não há ofensa ao art. 10 do CPC/2015 “[…] se o Tribunal dá classificação jurídica aos fatos controvertidos contrários à pretensão da parte com aplicação da lei aos fatos narrados nos autos” (AgInt no AREsp 1.889.349/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/11/2021).
À vista da dimensão relativa do apontado princípio, equivocada a interpretação que conclua pela sua aplicação automática e irrestrita, mormente no bojo da tomada de votos em julgamento de embargos de divergência. STJ. EDcl nos EREsp 1.213.143-RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 8/2/2023 (info 763).