Caso concreto adaptado.
No ano de 2004, Maria recebeu em doação um bem imóvel com cláusula de inalienabilidade pelo prazo de 10 anos. Em 20/05/2012, Maria se casou com João sob o regime a comunhão universal de bens, bem como em março de 2013 o casal se separou de fato. Apenas em 2015 teve início a ação de divórcio litigioso.

João terá direito a partilha do referido bem imóvel?
Não.

Fim do regime de bens em virtude da extinção da sociedade conjugal.
Anota-se que a separação judicial ou extrajudicial extingue a sociedade conjugal (e não o vínculo matrimonial, pois este persiste) em virtude do fim da comunhão de vidas, o que implica a manutenção do impedimento matrimonial, enquanto, de outro lado, faz cessar o regime de bens, o dever de fidelidade recíproca e o dever de coabitação.

Ademais, não se pode descurar da separação de fato, que é uma hipótese informal de dissolução da sociedade conjugal, pois do mesmo modo que o simples fato instaura relação jurídica entre casais, configurando união estável, provoca também a sua extinção.

Relembre-se que a separação de fato não pode ser confundida com uma simples interrupção da coabitação, pois esta pode decorrer, inclusive, de uma necessidade ou conveniência da própria família, como na ausência prolongada de um dos cônjuges em razão do trabalho.

Assim, demonstrada a real existência da separação de fato, imperiosa se torna a aplicação analógica da regra da separação judicial ou extrajudicial prevista no art. 1.576 do CC, motivo pelo qual um dos seus efeitos é exatamente o fim da eficácia do regime de bens. Em razão face disso, o raciocínio a ser empregado nas hipóteses em que encerrada a convivência more uxorio, mas ainda não decretado o divórcio, é o de que os bens adquiridos durante a separação de fato não são partilháveis com a decretação do divórcio.

O termo final do regime de bens não é o divórcio, e sim a separação.
Dessa forma, considerar como termo final do regime de bens a data da sentença de divórcio poderia gerar situações inusitadas e injustas, já que, durante o lapso temporal compreendido entre o fim da sociedade conjugal e a sentença de divórcio, um dos cônjuges poderia adquirir outros bens com recursos próprios ou até mesmo com o esforço comum de um novo companheiro, mas que seriam incluídos na partilha de bens do relacionamento extinto.

A cláusula de inalienabilidade ainda estava vigente na data da separação de fato.
Deve-se ressaltar que o Código Civil elegeu como princípios basilares a socialidade, a operabilidade e a eticidade, abandonando a visão excessivamente patrimonialista e individualista da lei civil anterior, mas que não podem ser utilizados para fundamentar a derrotabilidade da norma e justificar situações contra legem.

Na hipótese dos autos, a separação de fato se deu em março de 2013, quando ainda vigorava a cláusula de inalienabilidade e, consequentemente, o imóvel doado não integrava o patrimônio do casal, de modo que a sua incomunicabilidade deve ser reconhecida, com a exclusão do bem da comunhão, conforme determina o art. 1.668, I, do CC. STJ. Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/05/2022, DJe 31/05/2022 (info 748).

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