Caso concreto adaptado.
Maria e Letícia são duas amigas que estão pesquisando boas opções de imóveis para aquisição. As duas optaram por comprar imóveis na planta. Maria escolheu um apartamento e Letícia um lote em loteamento fechado. Os dois imóveis tinham prazo de entrega até 01/01/2023, com tolerância de 6 meses para possíveis atrasos.
Finalizado o prazo de tolerância, ambos os imóveis ainda não foram entregues, levando Maria e Letícia a procurarem um advogado para questionar se seria possível cobrar das construtoras o pagamento lucros cessantes, que corresponderiam ao aluguel mensal do imóvel até a efetiva entrega.
Maria terá direito a receber os aluguéis?
Sim. Quando o atraso se dá na entrega de imóvel edificado, é possível vislumbrar, de antemão, independentemente da destinação do bem que a injusta privação do seu uso enseja o pagamento de lucros cessantes.
Letícia terá direito a receber os aluguéis?
Em regra não. Em regra Letícia não poderia usar de imediato o lote, seja para morar ou alugar. Portanto, ainda que em casos específicos seja possível demonstrar a existência de lucros cessantes decorrente da entrega, no caso de terreno não edificado não é possível tal presunção.
Tema Repetitivo 996-STJ.
A jurisprudência da Segunda Seção do STJ, firmada na sistemática dos recursos repetitivos, é de que:
#Tese Repetitiva – Tema 996-STJ: As teses firmadas, para os fins do artigo 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1, 5, 2 e 3, foram as seguintes:
1.1. Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância;
1.2. No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.
1.3. É ilícito cobrar do adquirente juros de obra, ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.
1.4. O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.
STJ. REsp n. 1.729.593/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 25/9/2019, DJe 27/9/2019.
O atraso na entrega de imóvel edificado importa no dever de indenizar os lucros cessantes.
Quando o atraso se dá na entrega de imóvel edificado, é possível vislumbrar, de antemão, independentemente da destinação do bem – residencial ou comercial – que a injusta privação do seu uso enseja o pagamento de lucros cessantes, pois seja para moradia própria, fixação de estabelecimento comercial ou auferimento de renda advinda da locação do bem, a utilização de parâmetro afeto a aluguel mensal de imóvel assemelhado mostra-se adequada à realidade atinente à qualidade do bem, pois o imóvel edificado está apto a servir a tais propósitos.
O atraso na entrega de imóvel não edificado nem sempre importará no pagamento de lucros cessantes.
A despeito de ocorrer a possibilidade de, eventualmente, em casos específicos, existir lucro cessante decorrente do atraso na entrega das obras de infraestrutura de terreno/lote não edificado, via de regra, é inviável, de plano, consignar tal encargo por presunção de prejuízo para toda e qualquer hipótese envolvendo referidos bens de modo a fazer incidir, ante a injusta privação do seu uso, o pagamento de indenização prontamente estabelecida na forma de aluguel mensal, com base em valor locatício de imóvel assemelhado.
Considera-se imprescindível, para tal fim, averiguar ao menos a finalidade do negócio, a destinação e a qualidade do bem. Ademais, essa Corte tem entendimento pacífico no sentido de que em se tratando de imóvel não edificado, eventual inadimplência do comprador não enseja o pagamento de taxa de fruição justamente em razão de se tratar de terreno sem edificação, ante o princípio de não ter sido utilizado para qualquer fim.
A premissa utilizada para tal compreensão pode ser analogicamente aplicada à questão envolvendo os lucros cessantes, já que, não sendo o terreno edificado, não é dado presumir que fosse utilizado para qualquer finalidade imediata, seja residencial, implementação de negócio, locatícia, entre outros, a autorizar a incidência de parâmetro vinculado a valor de aluguel mensal de bem assemelhado. Isso porque, fora casos muito específicos, não é comum que se proceda à locação de imóvel não edificado em loteamento, visto servirem os terrenos para construção futura de residência, implementação de negócio ou especulação imobiliária.
No caso concreto, tratava-se de terreno não edificado.
A realidade posta a debate – vinculada a atraso na entrega de lote/terreno não edificado – demanda que se faça um distinguishing em relação ao entendimento sedimentado em recurso repetitivo – diga-se, específico para descumprimento do prazo de entrega de bem edificado – dada a expressa disposição da lei (arts. 402 e 403) segundo a qual os lucros cessantes representam aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar, por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação pelo devedor.
Ora, caso o terreno servisse ao propósito de edificação futura para implementação de moradia ou negócio, é certo que tal não se daria imediatamente. Do mesmo modo, na hipótese de os lotes terem sido adquiridos para especulação imobiliária, o acréscimo patrimonial não se verificaria de plano, constituindo mera expectativa futura de ganho. Por tais razões, ainda que tenha havido descumprimento contratual decorrente do atraso na entrega do imóvel não edificado, os lucros cessantes não são passíveis de presunção, devendo ser devidamente demonstrados e cotejados para representar aquilo que o adquirente efetivamente deixou de lucrar em virtude do prejuízo direto e imediato do comportamento do devedor, afinal, nos lucros cessantes é imprescindível que se tenha certeza da vantagem perdida.
STJ. AgInt no REsp 2.015.374-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 2/4/2024 (info 806).