Caso concreto adaptado.
Imagine que a empresa Água Pura Ltda. precisa expandir suas operações de exploração de uma jazida aquífera e não possui espaço suficiente em seu terreno atual. O Sr. João, proprietário de um terreno adjacente, decide ceder esse espaço para a empresa através de um contrato de comodato por prazo indeterminado.

Passados três anos, o Sr. João decide que deseja utilizar o terreno para outros fins. Ele envia uma notificação extrajudicial à empresa Água Pura Ltda., solicitando a devolução do terreno no prazo determinado.

A empresa Água Pura Ltda. deve devolver o terreno ao Sr. João conforme a notificação extrajudicial enviada?
Sim.

Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido.
O art. 581 do Código Civil estabelece o comodato sem prazo definido, hipótese na qual “presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido”. Com efeito, o comodato é uma liberalidade. A interpretação do dispositivo legal tem de partir dessa premissa, de que se trata de uma liberalidade e um contrato temporário, sob pena de virar doação.

No caso, a empresa está utilizando o bem objeto do comodato. Pode-se discutir se bastaria usar para depósito de material ou se seria para extração de água, mas, mesmo que fosse para exploração aquífera, qualquer que seja a finalidade, como se trata de comodato por prazo indeterminado, transcorrido prazo suficiente, o comodante possui o direito de pedir de volta o imóvel.

Não é necessário que o bem não se preste mais a uso algum para o comodatário para que seja extinto o comodato.
A discussão não deve ser se ainda é possível ou não a utilização do bem pela comandatária. A questão é que houve uma notificação extrajudicial para extinção do comodato, na linha da jurisprudência citada pelo eminente relator: não tendo prazo determinado, após o transcurso do intervalo suficiente à utilização do bem, pelo comodatário, conforme sua destinação, basta a notificação, concedendo um prazo razoável para a restituição da coisa (REsp 1.327.627/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/10/2016, DJe 1/12/2016).

Dessa forma, o direito potestativo de rescindir o contrato é do proprietário do bem, que, por ato de liberalidade, faz o comodato e pode, sem declinar nenhuma razão, realizar a denúncia vazia do comodato, requerendo a coisa de volta, desde que esta tenha ficado por um prazo razoável à disposição do comodatário.
STJ. AgInt no REsp 1.641.241-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 7/2/2023, DJe 3/7/2023 (info 791).

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