Caso concreto.
As autoras da ação são titulares da marca SPEEDO, conhecida mundialmente. Tal marca foi registrada no Brasil em 14/12/1976, sendo esse registro foi extinto pela caducidade.

Segundo alegam os autores, a caducidade da marca se deu não por ausência de interesse, mas sim por conta da situação econômica do Brasil nos anos 60 e 70, que não favorecia a operação das autoras no país, visto que, naquela época, as importações foram severamente restringidas, o que dificultou a comercialização de marcas estrangeiras em solo nacional.

Com a caducidade, um empresário brasileiro registrou para si a marca SPEEDO, realizando o depósito em 02/10/1980. Durante anos, suas empresas utilizaram a marca SPEEDO. Inclusive, durante cerca de trinta anos as partes mantiveram relacionamento comercial, no qual a empresa brasileira pagava royalties a empresa estrangeira.

Diante de todo o contexto, a empresa estrangeira requereu a nulidade do registro da marca SPEEDO no Brasil, bem como a adjudicação da marca.

Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia sobre a necessidade de se considerar não somente a má-fé, mas também a notoriedade da marca, para fins de definir se é ou não imprescritível o pleito de nulidade do registro.

Para que o pedido de nulidade seja imprescritível, basta que haja notoriedade da marca, invertendo-se o ônus da demonstração da ausência de má-fé.
Sobre a necessidade de se considerar ambos os elementos, para fins de dizer se é ou não imprescritível o referido pleito de nulidade, as duas Turmas que compõem a Segunda Seção já se manifestaram no sentido de que:
“a Lei n. 9279/96 (art. 174) estabelece a prescrição quinquenal para a pretensão de nulidade do registro, tendo a Convenção da União de Paris de 1883 – CUP (art. 6 bis, 3) excepcionado a regra ao determinar que não haverá prazo para se anular as marcas registradas com má-fé”, consignando-se ainda que “(t)ratando-se de marca notória, em razão do amparo protetivo diferenciado da norma – para fins de imprescritibilidade da ação anulatória -, basta ao requerente a demonstração de que a marca reivindicada era notoriamente conhecida, ao tempo do registro indevido, para obter, em seu favor, a inversão do ônus da prova da má-fé em face do requerido, anterior registrador e, como reverso, a boa-fé do reivindicante”
STJ. REsp n. 1.306.335/RJ, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/4/2017, DJe de 16/5/2017.

No caso concreto, entendeu-se que a marca não era notória no Brasil na época do registro.
No caso, o Tribunal de origem, considerando as peculiaridades da espécie, deixou assente não estarem demonstrados os requisitos legais (CUP) para que fosse reconhecida a imprescritibilidade da pretensão das autoras de adjudicação ou nulidade de marcas.

Assentou que, embora o signo seja reprodução ou imitação suscetível de produzir confusão de marca registrada em país signatário da CUP, a marca não era notória no Brasil, entre o público em geral, no início dos anos setenta, e considerou a peculiaridade de que a má-fé do grupo réu, ainda que constatada, tem sua eficácia, no caso em discussão, suspensa, durante os trinta longos anos em que as partes, autoras e rés, mantiveram relacionamento comercial harmônico.

Houve um acordo comercial entre as duas marcas ao longo de 30 anos, afastando a má-fé no período.
A má-fé foi, portanto, foi afastada pelas instâncias ordinárias, tendo em vista que as partes mantiveram um acordo comercial ao longo de trinta anos, não podendo, pois, as autoras, com tal comportamento, dele se beneficiarem. Assim, teria havido uma atuação contraditória com as pretensões deduzidas na presente ação, por terem as autoras, anteriormente, se relacionado por três décadas com os réus, auferindo, logicamente, lucro dessa relação empresarial, para, depois de tanto tempo assentindo, em última ratio, com a utilização da sua marca, postular a sua adjudicação ou, alternativamente, a nulidade dos registros efetivados pelos réus.

O que a decisão na origem afirmou é que não pode alguém se beneficiar da má-fé da parte contrária, se com esta manteve relação contratual que lhe teria sido anuente e benéfica, justamente pelo lapso temporal em relação ao qual a referida má-fé é alegada para viabilizar a pretensão agora posta em juízo. O ordenamento jurídico repudia esse proceder contraditório, tendo o STJ inúmeros pronunciamentos sufragando a aplicação de vedação do venire contra factum proprio.

Assim, não há como acolher a alegação de que a imprescritibilidade é objetiva e não comportaria análise do comportamento das partes acerca de tal questão, uma vez que má-fé é dolo, ou seja, vontade de agir, e tem total relação com o comportamento da parte, sendo certo que a má-fé é requisito expressamente previsto no art. 6º, bis, item 3, da CUP, ao dispor que: “não será fixado prazo para requerer o cancelamento ou a proibição de uso de marcas registradas ou utilizadas de má fé”.

Conclusão do julgado.
A Quarta Turma do STJ, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial nos termos do voto do Ministro Relator. Os registros da marca SPEEDO após 1º de janeiro de 2007 foram considerados nulos, e os registros anteriores não seriam renovados após o vencimento. Além disso, os réus devem se abster de usar a marca conforme os registros forem expirando.
STJ. REsp 2.061.199-RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 18/6/2024, DJe 21/6/2024 (info 817).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Área de Membros

Escolha a turma que deseja acessar: