Controvérsia.
Controverte-se, neste caso concreto, acerca da caracterização de uma norma jurídica como sendo, ou não, expressamente interpretativa, para efeitos do art. 106, I, do Código Tributário Nacional (CTN), e, portanto, da sua incidência sobre fatos anteriores à respectiva vigência.
Tipos de normas.
Em síntese, existem duas normas a serem analisadas:
(a) a norma que teria sido objeto de interpretação;
(b) e a norma expressamente interpretativa.
Norma objeto da interpretação.
A norma que teria sido objeto de interpretação está contida nos artigos 3º e 5º da Lei Complementar n. 70/1991 e da Lei n. 9.715/1998, respectivamente:
Lei Complementar nº 70/1991.
Art. 3º A base de cálculo da contribuição mensal devida pelos fabricantes de cigarros, na condição de contribuintes e de substitutos dos comerciantes varejistas, será obtida multiplicando-se o preço de venda do produto no varejo por cento e dezoito por cento. (Vide Lei nº 11.196, de 2005)
Lei nº 9.715/1998.
Art. 5º A contribuição mensal devida pelos fabricantes de cigarros, na condição de contribuintes e de substitutos dos comerciantes varejistas, será calculada sobre o preço fixado para venda do produto no varejo, multiplicado por um vírgula trinta e oito. (Vide Lei nº 11.196, de 2005)
Parágrafo único: O Poder Executivo poderá alterar o coeficiente a que se refere este artigo.
Norma apontada como “meramente interpretativa”.
Já a norma expressamente interpretativa seria a contida no artigo 29 da Lei 10.865/2004, cuja redação é a seguinte:
Lei nº 10.865/2004.
Art. 29. As disposições do art. 3º da Lei Complementar n. 70, de 30 de dezembro de 1991, do art. 5º da Lei n. 9.715, de 25 de novembro de 1998, e do art. 53 da Lei n. 9.532, de 10 de dezembro de 1997, alcançam também o comerciante atacadista.
Aplicação da lei meramente interpretativa ao fato pretérito.
Nesse sentido, o art. 106, I, do CTN prevê que:
Código Tributário Nacional.
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I. em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
Assim, de acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça:
A aplicação retroativa da legislação tributária encontra os seus limites delineados no art. 106, do CTN, que prevê a possibilidade de retroação, quando se tratar de lei expressamente interpretativa, ou, benéfica em prol do contribuinte, nos casos não definitivamente julgados, quando a lei deixa de definir o ato como infração, ou deixa de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo, ou comina penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática.
STJ. AgRg no Ag n. 442.007/RJ, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 10/2/2004, DJ de 1/3/2004, p. 125.
A norma apontada é meramente interpretativa?
Não. Ao permitir que o instituto da substituição tributária do “comerciante varejista” também fosse aplicado ao “comerciante atacadista”, a Lei n. 10.865/2004 não operou dentro do sentido e alcance das leis anteriores, de modo que não se restringiu ao desvelamento da pretérita normatividade. Na hipótese há uma substancial diferença entre os conceitos de comerciante varejista e atacadista, não cabendo, pela via da interpretação normativa, a equiparação entre os termos.
A nova lei não se aplica a fatos pretéritos.
A legislação posterior, portanto, operou em alargamento do alcance da normatividade das leis pretéritas, vez que não se pode extrair da expressão “comerciante varejista” o “comerciante atacadista”, uma vez que as modalidades de venda no atacado e varejo são distintas, com características e públicos específicos, sendo a primeira caracterizada pela oferta de produtos em grandes quantidades, geralmente para revenda, e a segunda pela oferta em menor quantidade, direcionada ao consumidor final.
STJ. REsp 1.515.500-RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 12/3/2024, DJe 19/3/2024 (info 805).