Caso concreto adaptado.
Alírio propôs ação de produção antecipada de provas requerendo a exibição de documentos em posse de Maria.

Apesar da não demonstração de urgência, o juiz liminarmente, sem oitiva da parte contrária, determinou, de imediato, a exibição dos documentos requeridos na petição inicial, advertindo-a sobre o não cabimento de nenhuma defesa, com fundamento no art. 382. §4º, do CPC.

Diante da decisão, Maria interpôs agravo de instrumento em face da decisão, alegando a ausência dos requisitos para a produção antecipada das provas. O Tribunal de Justiça do Estado, por sua vez, não recebeu o recurso, sob o argumento de que não seria cabível qualquer defesa ou recurso do demandado no rito (art. 382. §4º, do CPC).

O Tribunal de Justiça agiu corretamente?
Não. É certo que o art. 382. §4º, do CPC determina que no procedimento de produção antecipada de provas não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário.

Entretanto, o chamado processo civil constitucional é garantia individual e destina-se a dar concretude às normas fundamentais estruturantes do processo civil, utilizadas, inclusive, como verdadeiro vetor interpretativo de todo o sistema processual civil.

Os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal consistem no fundamento de validade – e mesmo de legitimidade – de todo e qualquer regramento processual. Com o propósito de reforçar essa concepção jurídico-positiva, há muito internalizada na doutrina e na jurisprudência processualista nacional, o Código de Processo Civil, em seu art. 1º, estabeleceu que: “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

As normas fundamentais de conteúdo principiológico – estruturantes e, portanto, superiores aos demais regramentos -, que traduzem e asseguram o tratamento isonômico das partes no processo, o direito de defesa, bem como o contraditório, hão de ser necessariamente observadas na aplicação e na interpretação de todos os dispositivos legais previstos no Código de Processo Civil.

É possível que as normas processuais estipulem o modo como o contraditório deve ser exercido, diferindo-o eventualmente, mas sem eliminar o contraditório de forma absoluta.
É possível que, em função das especificidades de determinado procedimento, possam restringir as matérias passíveis de serem nele arguidas. A restrição do direito de defesa, estabelecida em lei, encontra justificativa, portanto, nas particularidades e, principalmente, na finalidade do procedimento por ela regulado. Não há, obviamente, nenhuma vulneração ao princípio do contraditório em tais disposições legais. Todavia, eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de defesa da parte não pode, de maneira alguma, conduzir à interpretação que elimine, por completo, o contraditório.

A vedação legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser interpretada como a proibição de veiculação de determinadas matérias que se afigurem impertinentes ao procedimento nela regulado. Logo, as questões inerentes ao objeto específico da ação em exame e do correlato procedimento estabelecido em lei poderão ser aventadas pela parte em sua defesa, devendo-se permitir, em detida observância do contraditório, sua manifestação, necessariamente, antes da prolação da correspondente decisão.

O art. 382, § 4º, do Código de Processo Civil não pode ser interpretado em sua acepção literal, de modo a obstar qualquer manifestação da parte adversa no procedimento de antecipação de provas, em detida observância do contraditório.
Por conseguinte, o § 4º do art. 382 do CPC – ao estabelecer que, no procedimento de antecipação de provas, “não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário” – não pode ser interpretado em sua acepção literal. Importa, nesse passo, bem identificar o objeto específico da ação de produção antecipada de provas, bem como o conflito de interesses nela inserto, a fim de delimitar em que extensão o contraditório pode ser nela exercido.

Como é de sabença, o Código de Processo Civil de 2015 buscou reproduzir, em seus termos, compreensão há muito difundida entre os processualistas de que a prova, na verdade, tem como destinatário imediato não apenas o juiz, mas também, diretamente, as partes envolvidas no litígio.

Reconhece-se, assim, à parte o direito material à prova, cuja tutela pode se referir tanto ao modo de produção de determinada prova (produção antecipada de prova, prova emprestada e a prova “fora da terra”), como ao meio de prova propriamente concebido (ata notarial, depoimento pessoal, confissão, exibição de documentos ou coisa, documentos, testemunhas, perícia e inspeção judicial).
STJ. REsp 2.037.088-SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 13/3/2023 (info 767).

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