Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia a definir se é possível não aceitar o pedido de desistência do agravo de instrumento interposto por credor contra a sentença que homologou o plano de recuperação judicial, considerando a suposta existência de matéria de interesse público suscitada pelo Ministério Público Estadual.

O recorrente pode desistir do recurso a qualquer tempo, sem necessidade de anuência.
Nos termos do art. 998 do CPC/2015, “O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso” (caput), sendo que “A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos” (parágrafo único).

A desistência do recurso constitui ato unilateral, não dependendo do consentimento da outra parte e nem sequer de homologação judicial para a produção de seus efeitos, concretizando-se pela simples manifestação de vontade do recorrente. Logo, a desistência do recurso produzirá efeitos imediatamente, sob pena, inclusive, de violação ao princípio da voluntariedade recursal, que vigora em nosso ordenamento jurídico.

Peculiaridades do caso concreto.
Na hipótese, apenas um único credor quirografário interpôs agravo de instrumento contra a decisão que homologou o plano de recuperação judicial, no qual impugnou questões exclusivamente relacionadas à “classe III” do referido plano (créditos quirografários). Porém, após a cessão do crédito do recorrente e antes da inclusão do agravo de instrumento em pauta de julgamento, a parte cessionária pleiteou a desistência do recurso, que foi devidamente homologada pelo Tribunal de origem.

Tal o quadro delineado, não se mostra possível que o Ministério Público Estadual opte por não recorrer da decisão que homologou o plano de recuperação judicial, a despeito de ter acompanhado todo o trâmite processual, e, posteriormente, queira discutir junto ao Tribunal de Justiça questões relacionadas à “classe I” (créditos trabalhistas) utilizando-se de um recurso interposto por um credor quirografário, que impugnava exclusivamente questões relacionadas à “classe III” (créditos quirografários), afastando-se o pedido de desistência recursal formulado pelo recorrente antes do início do julgamento.

Preclusão da matéria não impugnada em recurso.
O processo deve ser uma marcha para frente, não comportando o retorno às etapas já vencidas, em que não houve qualquer impugnação pelos sujeitos processuais atuantes no feito, em razão do fenômeno da preclusão.

Nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte Superior, “sujeitam-se à preclusão consumativa as questões decididas no processo, inclusive as de ordem pública, que não tenham sido objeto de impugnação recursal no momento próprio” (AgInt no AREsp 2.019.623/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe de 4/10/2022).

Ademais, “Para que o Poder Judiciário exerça o controle judicial da legalidade do plano de recuperação judicial é imprescindível a existência de provocação por uma das partes da relação processual” (REsp 1.930.837/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 25/10/2022).
STJ. REsp 1.985.436-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 12/9/2024 (info 825).

Em igual sentido: Não cabe ao Tribunal indeferir o pedido de desistência em agravo de instrumento e julgar o recurso de ofício, ainda que as questões nele veiculadas sejam ordem pública e de interesse da coletividade dos credores da empresa em recuperação judicial.
STJ. REsp 1.930.837-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/10/2022, DJe 25/10/2022 (info 755).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Área de Membros

Escolha a turma que deseja acessar: