O crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial, para que seja pago, deve ser habilitado, o que pode ocorrer a partir das informações prestadas pelo devedor ou por iniciativa do credor.
As habilitações permitem que os credores sejam identificados, de modo que se saiba quem vai participar do acordo que se realiza com a aprovação do plano de recuperação judicial (votação).
O devedor deve apresentar, junto com sua petição inicial, a relação de todos os credores, com a identificação de cada um, com a especificação da obrigação, o montante devido e a natureza do crédito (art. 51, III, da LREF). Com essas informações, o administrador judicial irá conferir os créditos e elaborar o edital de que trata o artigo 52, § 1º, da LREF, que conterá advertência quanto aos prazos para habilitação e impugnação dos créditos.
Prazo para o credor omitido se habilitar ou apresentar impugnação.
Assim, caso algum crédito tenha sido omitido, ou esteja em desacordo com o que o credor entende ser o correto, esse terá 15 (quinze) dias para se habilitar ou apresentar impugnação. Com essas novas informações, o administrador judicial fará publicar um segundo edital (art. 7, § 2º, da LREF), contendo a lista de credores. Nesse momento encerra-se a fase administrativa da apuração dos créditos.
Casos em que há dúvida se crédito deveria integrar a recuperação judicial.
No entanto, ocorrem situações em que na fase inicial de habilitação, o crédito ainda era ilíquido e não foi realizada a reserva de valores (art. 6º, § 3º, da LREF). Após o trânsito em julgado da sentença indenizatória, que estabeleceu o pagamento de valor certo, havia dúvida se o crédito deveria ou não se submeter aos efeitos da recuperação judicial.
A habilitação é um direito do credor e não uma obrigação. Entretanto, sem ela não é possível a cobrança da dívida.
É certo que a lei não obriga o credor a habilitar seu crédito. De fato, nos dispositivos legais que tratam do tema (artigos 8º e 10 da LREF), é utilizada a construção “poderá apresentar habilitação” e não deverá. Afinal, trata-se de direito disponível.
De todo modo, o credor não pode prosseguir com a execução individual de seu crédito durante a recuperação, sob pena de inviabilizar o sistema, prejudicando os credores habilitados, como já decidiu a Segunda Seção no julgamento do CC 114.952/SP.
A execução pode ficar suspensa até o encerramento da recuperação judicial?
A questão que se põe a debate é definir se, não sendo obrigatória a habilitação, a execução pode ficar suspensa, retomando seu andamento após o encerramento da recuperação judicial.
Considerando que ainda não há jurisprudência consolidada sobre o tema, a questão merece uma reflexão mais detida. O entendimento de que o credor pode decidir aguardar e prosseguir com a execução pelo valor integral do crédito após o encerramento da recuperação judicial não parece estar de acordo com o que dispõe o artigo 49 da LREF, ressalvada uma situação.
Caso em que alguns créditos ficam foram da recuperação judicial por expressa previsão do plano de recuperação judicial.
É certo que todos os créditos existentes na data do pedido estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial. A recuperanda, contudo, pode optar por negociar com apenas parte de seus credores. De fato, o artigo 49, § 2º, da LREF afirma que as obrigações anteriores à recuperação observarão as condições originalmente contratadas, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.
Assim, a recuperanda pode decidir excluir do plano de recuperação judicial alguma classe de credores, ou mesmo uma subclasse, que entende deva ser paga na forma da contratação originária. Essa opção poderá ser avaliada pelos demais credores ao votar o plano de recuperação judicial que não contempla aquela classe.
Essa classe de credores excluída será paga normalmente durante o curso da recuperação judicial, já que seus créditos não foram modificados. Fica claro, assim, que não terão interesse em se habilitar, pois nem sequer podem votar um plano que não lhes atinge.
Não se pode, entretanto, simplesmente excluir determinados credores da recuperação sem que haja previsão acerca disso no plano de recuperação judicial.
O que não parece possível é permitir que a recuperanda exclua credores singularmente, conferindo aos excluídos a possibilidade de habilitarem ou não seus créditos no procedimento ou prosseguirem com a execução individual posteriormente pelo valor integral do crédito corrigido e acrescido dos encargos legais.
A inclusão dos credores na lista que acompanha a petição inicial é uma obrigação legal.
Se a recuperanda deixar de citar um credor na lista que deve acompanhar a petição inicial, essa situação não se configura como uma exclusão voluntária, mas como desrespeito a uma determinação legal. No caso de a omissão não ser identificada pelo administrador judicial, aos credores excluídos, sem que esse fato seja conhecido dos demais, serão abertas prerrogativas não garantidas àqueles que foram listados na recuperação.
O credor não incluído na lista deve ser habilitar posteriormente ou impugnar a lista.
Não o fazendo, não será possível a cobrança posterior do débito. Vejamos alguns argumentos:
Essa situação poderá esvaziar o procedimento, pois os credores omitidos podem deixar de apresentar habilitação ou aguardar para, após a aprovação do plano, conforme for ou não de seu interesse.
Esse credor inicialmente excluído, pode ser detentor de um crédito de alto valor, capaz de influir inclusive na avaliação da viabilidade econômica da empresa.
A execução individual poderá acarretar a falência da empresa, com a alteração da ordem de pagamento, já que durante a recuperação vão surgir créditos extraconcursais, que serão pagos na frente daqueles credores originários, que possivelmente ainda não terão recebido a totalidade das parcelas previstas no plano de recuperação.
Esse cenário permite a ocorrência de conluios fraudulentos.
Assim, a possibilidade de exclusão voluntária deve se circunscrever a uma classe ou subclasse de credores, que receberão seus créditos na forma originalmente contratada, situação devidamente informada aos demais. Quanto aos credores singularmente excluídos da recuperação, devem habilitar seus créditos na forma definida na Lei n. 11.101/2005.
Independentemente do termo final da recuperação judicial, é inviável o prosseguimento da execução individual do crédito não inserido no plano de recuperação judicial.
O prosseguimento das execuções após o encerramento da recuperação se mostra inviável, quer se adote o entendimento de que ele coincide com o término da fase judicial (art. 61 da LREF) ou que se encerra com o pagamento integral de todas as obrigações previstas no plano de recuperação.
Exceção: no caso em que a decisão que reconhece estar o crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial for posterior ao trânsito em julgado da sentença de encerramento da recuperação judicial, a execução deve prosseguir.
Nesse contexto, apesar de o credor que não foi citado na relação inicial de que trata o artigo 51, III e IX, da Lei n. 11.101/2005 não ser obrigado a se habilitar, pois o direito de crédito é disponível, não terá como receber seu crédito fora da recuperação, salvo em uma hipótese.
De fato, no caso em que a decisão que reconhece estar o crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial for posterior ao trânsito em julgado da sentença de encerramento da recuperação judicial, a execução deve prosseguir. Isso porque, encerrada a fase judicial da recuperação judicial, com o trânsito em julgado da sentença, novas habilitações não são mais possíveis. Nessa situação específica, a execução deve prosseguir pelo valor original do crédito, pois não há falar em novação. STJ. REsp 1.655.705-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 27/04/2022 (info 734).