Exemplo didático.
Raimundo era réu em uma ação penal e, pelos mesmos fatos, respondia também a uma ação por ato de improbidade administrativa. No curso da ação penal, foi realizada a interceptação da linha telefônica de Raimundo. Posteriormente, essa prova foi solicitada pelo juízo da ação de improbidade como prova emprestada.Ainda no decorrer das ações, Raimundo faleceu. Consequentemente, a ação penal foi extinta com fundamento no art. 107, I, do Código Penal, devido à extinção da punibilidade.
Por outro lado, a ação civil pública por ato de improbidade administrativa prosseguiu, principalmente pela necessidade de restituição ao erário dos valores supostamente subtraídos. Em virtude disso, os herdeiros se habilitaram na ação.
Além disso, o espólio de Raimundo, representado pelo inventariante, se habilitou na ação penal extinta e requereram o reconhecimento da ilegalidade da interceptação telefônica. Argumentaram que a interceptação foi determinada em desrespeito à lei, e que a utilização do material como prova emprestada na ação de improbidade administrativa justificava o interesse, mesmo após a extinção da ação penal.

O pedido do espólio de Raimundo pode ser atendido?
Sim. O espólio possui legitimidade para contestar a validade de interceptações telefônicas em processo penal, mesmo após a extinção da punibilidade devido ao falecimento do acusado, especialmente quando tais provas impactam significativamente o patrimônio dos herdeiros em ações de improbidade administrativa que se baseiam em provas emprestadas da ação penal originária.

Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia acerca da legitimidade do espólio para contestar a validade das interceptações telefônicas em processo penal em que houve a extinção da punibilidade, sob o argumento de que impactariam negativamente o patrimônio dos herdeiros, visto que continuam a ser utilizadas em processos cíveis e administrativos relacionados à improbidade administrativa, mesmo após a extinção da punibilidade do acusado devido ao seu falecimento.

Os sucessores respondem pelas dívidas do espólio até o limite das forças da herança.
Ante a morte do agente condenado e a subsequente transferência patrimonial para seus sucessores, emerge a possibilidade de que estes respondam, até o limite das forças da herança, pelas obrigações deixadas pelo de cujus. Esta prerrogativa encontra fundamento no art. 5º, XLV, da Constituição Federal e é corroborada pelo art. 1.997 do Código Civil, segundo o qual a herança se compromete ao pagamento das dívidas do falecido. Uma vez realizada a partilha, a responsabilidade recai individualmente sobre os herdeiros, proporcionalmente à parte que lhes coube, se tratando do princípio da intranscendência.

Quando ocorre o falecimento do agente público infrator, a questão do ressarcimento dos danos se estende ao patrimônio por ele deixado. Conforme o art. 8º da Lei de Improbidade, as sanções pecuniárias são transmissíveis aos sucessores até o limite do valor do patrimônio transferido. Isso estabelece um marco claro: os herdeiros são responsabilizados apenas até a extensão da herança recebida, sem sofrer penalizações que superem o legado do agente falecido.

Os herdeiros do réu possuem legitimidade para prosseguir nas ações por improbidade administrativa.
Assim, os herdeiros do réu, em ações de improbidade administrativa fundamentadas nos arts. 9º ou 10 da Lei 8.429/1992, possuem legitimidade para continuar no polo passivo da demanda, limitados aos contornos da herança, com vistas ao ressarcimento e ao pagamento da multa civil correspondente, como já decidiu esta Corte Superior de Justiça.

A extinção da punibilidade penal não impacta na responsabilidade civil.
Ressalte-se que a extinção da punibilidade do agente, embora resolva a persecução penal em seu aspecto mais imediato, não possui o poder de extinguir os efeitos civis e as obrigações indenizatórias derivadas dos atos ilícitos presumivelmente praticados. Deste modo, a responsabilidade civil, emergente de tais atos, transita indubitavelmente para os sucessores do de cujus.

Nesse contexto, esta continuidade da responsabilidade civil é sustentada pelo ordenamento jurídico, que confere ao espólio a prerrogativa de prosseguir ou iniciar ações que impactem o patrimônio hereditário, nos termos do art. 110 do CPC.

As decisões, no contexto de ações de improbidade administrativa, fundamentadas em provas potencialmente ilícitas podem ser impugnadas pelos herdeiros, ainda que as provas em questão tenham sido obtidas na ação penal extinta em virtude da morte do réu.
As decisões proferidas no contexto de ações de improbidade administrativa, que se fundamentam em provas potencialmente ilícitas, tais como interceptações telefônicas viciadas, podem ser legitimamente contestadas pelo espólio. Isso porque, a utilização de provas emprestadas que eram questionadas no âmbito do processo penal, após morte do acusado e extinção da punibilidade pelo tribunal de origem, bem como a inadmissão dos embargos de declaração opostos pelo espólio em razão do não reconhecimento da sua legitimidade, inviabiliza o devido contraditório e ampla defesa.

A nulidade das provas em casos penais implica também sua invalidade em processos de improbidade administrativa. Portanto, se as provas são anuladas em um processo penal por irregularidades, como violações a direitos fundamentais, elas se tornam inutilizáveis em processos de improbidade administrativa.

A Lei n. 9.296/1996, que normatiza as interceptações telefônicas, estabelece critérios rigorosos para sua realização, exigindo, sobretudo, uma ordem judicial devidamente fundamentada. Qualquer violação desses critérios pode ser contestada pelo espólio, quando essas ações influenciam diretamente o patrimônio transmitido.

Conforme o art. 107, I, do Código Penal, a morte do agente extingue sua punibilidade. No entanto, isso não elimina os efeitos civis de decisões anteriores que repercutem sobre o patrimônio do espólio. Apesar de a responsabilidade penal ser extinta, os impactos patrimoniais de decisões em ações penais ou de improbidade – que se basearam em interceptações – podem continuar afetando o espólio. Isso exige uma revisão cuidadosa da aplicação da lei ao caso concreto para assegurar que não ocorram violações aos direitos sucessórios.
STJ. AREsp 2.384.044-SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 11/6/2024 (info 816).

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