Conceitos Necessários.
Testemunhas fáticas: Aqueles que presenciaram os eventos diretamente relacionados ao crime.
Testemunhas abonatórias: Aqueles que testemunham sobre o caráter e a índole do acusado, sem necessariamente terem presenciado os fatos do crime.
Exemplo didático.
Mévio está sendo acusado de um crime de furto. Durante a fase de instrução do processo, sua defesa arrola três testemunhas fáticas, que presenciaram os eventos no dia do suposto crime, e duas testemunhas abonatórias, que podem atestar seu bom caráter e comportamento honesto. O juiz, no entanto, decide que as testemunhas abonatórias não precisam ser intimadas para depor em audiência, sugerindo que suas declarações escritas sejam suficientes. A defesa de Mévio argumenta que essa decisão prejudica o direito de defesa, pois impede o contraditório e a efetiva avaliação do caráter de Mévio em audiência.
A decisão do juiz de não intimar as testemunhas abonatórias e aceitar apenas declarações escritas está correta?Não, a decisão do juiz está incorreta. Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 2.098.923-PR, a exigência de uma justificação para a intimação de testemunhas abonatórias não encontra respaldo legal expresso e compromete a essência da defesa. As testemunhas abonatórias desempenham um papel fundamental ao atestar o caráter e a índole do acusado, e a recusa de sua intimação, substituindo seus depoimentos orais por declarações escritas, constitui cerceamento do direito de defesa. A prática de recusar a intimação dessas testemunhas viola os princípios do contraditório, da ampla defesa e da paridade de armas, sendo, portanto, inadequada e passível de nulidade do ato judicial.
A legislação processual penal não diferencia as testemunhas fáticas das abonatórias.
A legislação processual penal, especificamente no que tange ao art. 396-A do CPP, não estabelece critérios que diferenciem as testemunhas por sua natureza (fática ou abonatória) para fins de intimação. A exigência de uma justificação para a intimação das testemunhas abonatórias, portanto, não encontra respaldo legal expresso e implica uma limitação discricionária que compromete a essência da defesa.
Ademais, observa-se uma inclinação ao entendimento de que as testemunhas abonatórias desempenham um papel fundamental no processo, ao atestar o caráter e a índole do acusado. Esta função, longe de ser meramente acessória, pode influenciar decisivamente na avaliação da credibilidade do réu e na interpretação dos fatos em julgamento.
Portanto, a premissa de que tais testemunhas possam ser preteridas ou substituídas por declarações escritas, sem a devida oportunidade de contraditório e inquirição em audiência, constitui um cerceamento do direito de defesa.
O processo penal deve garantir a ampla defesa do acusado.
A interpretação e aplicação do direito processual penal devem buscar a plena realização das garantias constitucionais, incluindo o direito à ampla defesa. Neste sentido, a prática de recusar a intimação de testemunhas de defesa, alegando falta de justificação substancial e limitar-se a aceitar apenas depoimentos escritos de testemunhas abonatórias, não se alinha com os princípios que regem o processo penal.
É inadequado o indeferimento do pedido de intimação das testemunhas de defesa abonatórias com base na alegada falta de justificativa para a intimação judicial.
Assim, mostra-se inadequado o indeferimento do pedido de intimação das testemunhas de defesa, com base na alegada falta de justificativa para a intimação judicial, especialmente quando, tratando-se de testemunhas abonatórias, é permitida a substituição de seus depoimentos orais por declarações escritas. Tal abordagem não apenas prejudica o fundamento do contraditório e da ampla defesa, mas também viola a paridade de armas, fundamental para a integridade do processo legal. Ademais, tal procedimento acarreta prejuízo à defesa, sendo considerado nulo o ato judicial.
STJ. REsp 2.098.923-PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 21/5/2024 (info 813).