Caso concreto adaptado.
Tício cometeu um furto no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Tício, então, transferiu os valores para Maria. Maria, por sua vez, transferiu os valores para a esposa de Tício, Mévia. As sucessivas transferências tiveram o objetivo de dissimular a origem dos valores.
Portanto, apenas Tício cometeu o crime de furto. Por sua vez, Tício, Maria e Mévia cometeram o crime de lavagem de capitais.
A pedido do Ministério Público, o juiz determinou o bloqueio de bens de Maria, no valor total de R$ 500.000,000 com fundamento no art. 4º da Lei nº 9.613/1998 – Lavagem de dinheiro. Segundo argumenta, Maria seria corresponsável pelos danos causados em virtude também do crime de fruto.
O juiz agiu corretamente?
Não. Não se pode responsabilizar os corréus da lavagem de dinheiro pelo dano oriundo do crime antecedente, na hipótese em que este foi praticado exclusivamente por um dos agentes, pois o art. 942 do Código Civil estabelece a responsabilidade solidária apenas para os coautores do mesmo ato ilícito.
Código Civil.
Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.
Ademais, o dano causado à ofendida decorreu de furto perpetrado exclusivamente por Tício e as medidas previstas no art. 4º da Lei n. 9.613/1998 dizem respeito a bens, direitos ou valores que sejam instrumento, produto ou proveito do crime de lavagem de dinheiro ou da infração penal antecedente.
Lei nº 9.613/1998 – Lavagem de dinheiro.
Art. 4º O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
No caso, não há provas de que Maria teve qualquer acréscimo patrimonial.
Maria não foi condenada por todos os fatos narrados na denúncia, mas somente em virtude de 02 transações que totalizaram R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
Seria possível, em tese, responsabilizá-la no referido limite, caso tais valores ainda integrassem seu patrimônio. Ocorre que tais recursos foram transferidos a Mévia e também não há provas de que Maria tenha obtido proveito ou acréscimo patrimonial decorrente do furto praticado por Tício, o que impede a aplicação do art. 932, inciso V, do Código Civil.
E quanto a Mévia?
Por outro lado, a esposa do agente que praticou o furto deve responder solidariamente pelos prejuízos experimentados pela ofendida, nos termos da Lei n. 9.613/1998 e do 932, inciso V, do Código Civil, desde que observado, como limite, o montante incorporado ao seu patrimônio, e não pelo valor total do delito.
STJ. AgRg no AgRg no REsp 1.970.697-PR, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 19/3/2024, DJe 5/4/2024 (info 808).